O Tempo.
Há muita gente que passa a vida se preocupando com ele. Não, muita gente não... Todo mundo, pelo menos uma vez na vida. Pra ser sincero, uma vez a cada dia. Bom, acho melhor dizer “uma vez a cada segundo” – ou diria milésimo? Ah, tanto faz, tudo é tempo e a todo tempo nos preocupamos com o tempo, porque pensamos estar sem... Tempo. E usamos tempo pra fazer isso.
Confuso, não?
Pense nos relógios. Solar, de bolso, de pulso, de beira-estrada com publicidade em cima, de rádio, de celular. Pense na falta que eles fariam caso todos nos abandonassem ignorantes ao nosso próprio tempo. Pois é, um caos. Porque não é difícil pensar em pelo menos milhares de milhões de ocasiões onde ter um relógio ao alcance é uma verdadeira bênção, pra nos situar em qual trecho estamos nessa estrada feroz chamada existência. E quem pode lutar contra esta preocupação instintiva? Vai ver, é ela quem tem mantido nossa espécie viva – o que por si só já é bastante tempo.
Mas há momentos, na vida, em que o tempo é... O tempo é nada. É irrelevante, como uma partícula de poeira numa estante que acabou de ser limpa. Ela está lá, porém não nos alcança. Neste instante, “ser abandonado” por todos os relógios é favor; não maldição. Sim, estou sendo contraditório, pois é assim que enganamos o tempo.
E no canto daquele lugar nos sentimos assim: senhores; minha cúmplice e eu, banhados pela luz fluorescente e cercados pela doçura da nossa longa conversa. Bem ali, naquele cantinho. Éramos, ali, senhores do tempo. E para tal feito não houve necessidade em derrotá-lo e fazê-lo refém. Bastou ignorá-lo, depositando toda a nossa atenção em coisas muito mais importantes do que ele. Os olhos que se olham; as palavras que se ouvem; os toques que se tocam; a privacidade que é conveniente; os desejos que não se convergem. Tudo feito com a paciência de quem – olha só que irônico! – faz um relógio.
Aquele momento, aquele lugar... Aquele canto estava imune ao tempo. Não havia pressa, senão para conhecer ainda mais um ao outro.
- Quando eu era criança, eu fazia... – ela começou a dizer.
- É verdade? Eu também. Bem, só com a diferença que eu já...
- Jura? Eu também! Adorava fazer isso.
- Mentira. Pensei que eu era o único no mundo.
- Tá pensando o quê, rapaz, eu era mestre nisso.
- Uau.
- Que coincidência bizarra, não é?
- É – ri abobalhado. – Muita.
Depois vinham as questões mais sérias:
- Foi um momento muito difícil, eu ficava triste e... – Dizia ela com a voz salpicada de choro, ou algo próximo disso.
- Eu posso imaginar. Sinto muito.
- Já passou.
- O que mais aconteceu?
- Aconteceu que certo dia tudo piorou de novo e...
- Caramba. Passei por um problema parecido com esse, sabia?
- É mesmo? Como você se sentia?
- Mal, né? Ainda mais porque a solidão...
- Exatamente. Eu sinto muito.
A cada palavra, a cada sílaba, a cada morfema trocado, nós dois mergulhávamos mais fundo um no outro. Quando a profundidade alcançou a distância considerável, fomos capazes de enxergar nossos pensamentos. E não foi nenhuma surpresa ver nossos rostos projetados neles. Mesmo assim continuávamos cautelosos, mergulhando mais, rumo ao centro produtor de todo o sentimento que borbulhava em cada gesto e olhar.
Deveríamos estar em outro lugar, mas parecia que nada mais existia – e de fato não existia. Os corações foram encontrados no fim do mergulho, pulsantes e em cor viva, liberando todas as borboletinhas que voavam para o estômago. Que lugar perfeito para se apaixonar! Seu olhar, quando me acariciou, fez-me embaralhar as peças da minha vida – e o jogo mal havia começado. Sorri diante da sorte de ser olhado por aquele olhar, entendendo o que tudo aquilo significava.
Minha mão agora tinha o seu cheiro, pois ela corria, leve como uma pena, pela face lisa e delicada. As retinas dilataram-se diante da força do desejo e o sangue contaminara-se pela ansiedade que transitava sem freio. “Sorte nossa estarmos sentados”. No entanto, se olhássemos com a atenção devida, constataríamos que estávamos voando, mais perto de estrelas do que de nuvens. Frenéticos e imóveis, nossos corpos alinharam-se. Impressionante como uma conversa pode mudar a sua vida. A minha estava mudando e mudando diante de mim.
O autocontrole até aqui vigente possuía seus motivos para existir, só que tal como todo o resto, eles tornaram-se nulos também. E foi assim que o tronco dela cedeu em minha direção. A árvore que eu desejava ter sobre mim finalmente veio. Os lábios tocaram-se, torceram-se, molharam-se. As línguas chuparam-se e salivaram uma sobre a outra, transmitindo informações que não se acha em palavras. Aguentei firme a dose graças ao sutil apoiar das mãos, uma no meu peitoral e a outra sobre a minha perna. Pude sentir seus seios acolchoarem-me no tórax quando avancei num ataque de paixão. As curvas foram contornadas pelas minhas mãos e tomei a liberdade de apertá-las, como se fosse possível fundirmo-nos.
Dançávamos como dois apaixonados. Era como se agora vivêssemos dentro de nós mesmos, num universo paralelo e só nosso. Não me pergunte quanto tempo durou. Na hora queríamos que fosse infinito. Mas não foi. Minha boca fora levemente mordida pelos seus dentes perfeitos. Ainda estava me acostumando com os nossos beijos – estávamos ficando bons nisso, aliás.
Passado o ápice, os braços compuseram um abraço quente e cheiroso. Cabelo fazendo cócegas, respiração úmida rente aos ombros, um silêncio solene e cheio de significados... Parece loucura, mas eu me senti completo ali, naquele cantinho. Entre um suspiro e um selinho no meu ombro, eu pude ouvir um...
- Eu te amo.
Veio assim, do nada. Eu nem vi chegando. E, quando chegou, eu pensei que estava sonhando. Não tive chance para me preparar. A verdade é que ela tinha sido mais corajosa do que eu para dizer aquelas três palavras. Minha primeira reação foi ficar atônito, desnorteado; ninguém nunca dissera isso para mim. Eu queria beijá-la, tê-la, olhá-la, tocá-la, abraçá-la, carregá-la, tudo ao mesmo tempo, até que compreendesse que o Amor era recíproco. Eu realmente pensei estar sonhando.
O abraço foi aos poucos se desfazendo e dando lugar a um fitar de olhos apaixonados. Jamais voltaríamos a ser aquelas crianças que falávamos que éramos. Pensávamos em como seria maravilhoso termos nos conhecido antes. Contudo, a vida tem as suas ironias e contradições que são mistérios insolúveis. Mas eu realmente achei estar sonhando. Sonhando um sonho junto a ela, a árvore do meu habitat. Graças a Deus tudo era real.