Esses são alguns comentários sobre a primeira temporada de Mr. Robot.
Elliot Alderson é um jovem programador que, em decorrência de alguns traumas do passado, sofre de uma desordem que o torna anti-social. Durante o dia, ele leva uma vida medíocre como técnico de segurança virtual na AllSafe Cybersecurity e, durante a noite, ele é um hacker vigilante. Elliot se vê numa encruzilhada quando o líder de um misterioso grupo de hackers, Mr. Robot, o recruta para destruir a firma que ele é pago para proteger, a Evil Corp. Motivado pelas suas crenças pessoais, ele luta para resistir à chance de destruir os CEOs da grande corporação que ele acredita estar controlando - e destruindo - o mundo.
Criada por Sam Esmail e com elenco de Rami Malek, Christian Slater, Martin Wallström, Carly Chaikin e Portia Doubleday. Exibição nos EUA por conta da USA Network e no Brasil, Canal Space.
Mr. Robot certamente foi uma das mais interessantes, e instigantes, surpresas apresentadas na TV em 2015. Portada de uma identidade cinematográfica que traz personalidade ao programa, é possível sentir-se dominado pela atmosfera da série logo em seus primeiros minutos, o que é potencializado pela montagem que acompanha a paranóia e ansiedade de seu protagonista. Outro ponto que reforça tal imediatismo na imersão é a qualidade vinda do roteiro, que constrói personagens tridimensionais e uma trama que não se preocupa em ser traiçoeira com o espectador, em outras palavras: Não tem um pingo de arrependimento de suas rasteiras aplicadas em nós.
Elliot é um jovem estranho. Essa estranheza de longe é algo inédito na TV, tendo em vista que é comum atribuir a uma pessoa de seu tipo - dependente químico, introspectivo e impenetrável - o caráter de genialidade. De fato, Elliot é um rapaz genial, sua inteligência é notável, sobretudo quando se trata de sistemas de informação - engenharia de sistemas, melhor dizendo. E isso é importantíssimo para a história. Ele faz uso de suas habilidades para praticar o vigilantismo cibernético e denunciar criminosos como pedófilos ou traficantes, o que é um ponto que entra em conflito com o seu desinteresse em relacionar-se com as pessoas - e nesse caso, o problema que Elliot tem com contatos e abraços se mostra como uma forte representação desse distanciamento intencional -, porque mesmo sendo assim, ele ainda acredita que de alguma forma pode salvar o mundo e proteger as pessoas.
No entanto, é uma proteção ao seu modo. E esse modo o qual encontrou para proteger e se aproximar das pessoas não é lícito, pois ele as hackeia para conhecê-las, construindo um acervo de dados pertencente a cada pessoa. Ninguém escapa desse processo, nem mesmo os amigos mais próximos, os quais são poucos. É uma aproximação totalmente artificial e assimétrica, uma invasão pessoal onde segredos são transparecidos e a vulnerabilidade é aumentada. De sua boca sai um discurso de ódio em relação ao rumo que a sociedade vem tomando, porém é nítido perceber que em sua concepção, nós, pessoas comuns, somos vítimas. As vítimas de uma ínfima porcentagem de indivíduos que controlam todo o mundo, exclusivamente de acordo com os seus interesses econômicos.
A série tem uma narração em Voice-over que quebra a quarta parede. Nela, Elliot tenta desenvolver uma certa amizade e cumplicidade com o espectador, mesmo considerando, desde o começo, a artificialidade da mesma: "Talvez eu devesse te dar um nome. Mas pra quê? Você só existe na minha cabeça. Não podemos esquecer disso. Merda, eu realmente estou falando com uma pessoa imaginária" (Mr. Robot S01E01). Não há um tratamento desdenhoso por parte de Elliot para com o seu amigo imaginário, muito pelo contrário. Contudo, a tentativa de edificar a cumplicidade é constantemente embaçada pela desconfiança. Elliot sofre de paranóia e sua mente é perturbada pelos fantasmas do passado, por projeções de seguidores que nem ao menos sabemos se existem realmente. Esse mar de confusões psicológicas faz com que ele desconfie de todos, inclusive de nós, observadores. É uma relação instável a todo momento.
De volta ao plot central, Elliot conhece Mr. Robot - interpretado de maneira surpreendente por Christian Slater -, uma figura que, ao testemunhar o potencial do jovem engenheiro, lhe oferecesse a chance de fazer parte de uma equipe de hackers, a FSociety, e protagonizar uma arrebatadora "Revolução Global". O corpo de membros do time, diga-se de passagem, é composto por figuras caricatas: um gordo, um negro, uma menina com atitude, um velho, um esquisito/maluco e uma árabe - sendo esta a figura que mais me pegou de surpresa, só foi uma pena vê-la tão pouco desenvolvida, e envolvida, dentro da trama, pelo menos nesta primeira temporada.
A tal revolução prometida diz respeito a Evil Corp, corporação ficcional que é detentora majoritária de diversos mercados no mundo, desde os de bens de consumo até os de crédito e finanças, acentuando, aliás, algo muito recorrente em narrativas de Cyberpunk: a dominação mundial por parte de gigantescos conglomerados. O objetivo da FSociety é derrubar a corporação e instaurar um reboliço, que segundo eles, libertará o mundo, as pessoas comuns, das amarras impostas a nós sem qualquer consentimento. Para isso, Elliot é a peça fundamental da conspiração, já que ele é pago para proteger a corporação através de seu emprego regular. A propósito, a Evil Corp foi a responsável pela morte precoce de seu pai, Edward Alderson, morte esta ocorrida devido a negligência e ganância vinda por parte de seus administradores.
Em termos de cinematografia, Mr. Robot apresenta uma identidade visual que se comporta de maneira "rebelde" durante toda a temporada. Chega a ser engraçado observar como a rebeldia exercida gerou inúmeros tópicos de discussões na internet, com alguns defendendo e outros condenando ou lamentando a atitude dos responsáveis. Pois bem, expliquemos essa rebeldia: Há em Mr. Robot frequentes "quebras" de composição e incessantes desobediências à regra dos 180º. Sendo mais claro, os planos, e as cenas como um todo, são compostos de forma incomum, onde os personagens, quando em uma conversa, por exemplo, são postos com espaços abusivamente sufocantes à frente, não havendo a rotineira rima visual e espacial em que cada personagem ocupa uma extremidade do campo, dando assim, a sensação de proximidade e face a face. Também há na composição o arranjo dos personagens em diminutos pontos de intersecção das regras dos terços, conferindo excessivo espaço vazio acima da cabeça e em outras partes do quadro. Visualmente, essas decisões acabam expressando a perturbação de seus personagens e a vulnerabilidade deles, pois parecem ser afogados pelo ambiente que os cercam. Tetos, por exemplo, são constantemente mostrados e a profundidade de campo limitada ajuda a exercer tal impressão. Mas vale salientar que em certos momentos a "desordem" visual empregada distrai a atenção, exatamente por ser difícil de ignorar o seu uso. É como se ela gritasse: "Ei, estou aqui! Olhe!", o que culmina em uma distração desnecessária. Mesmo assim, tem uma cena em especial, com Elliot e sua psiquiatra, Krista, em que é feita uma construção visual esplendorosa, onde há uma gradativa inversão da figura de Elliot na cena, de dominado para dominador. É de descassetar a mente.
Estruturalmente, além do já mencionado Voice Over, a série faz uso de meios como flashbacks, alucinações e situações hipotéticas. Não para ser redundante e preguiçosa, mas para esmiuçar a vida e a mente de seu protagonista. A propósito, o foco da narrativa é este. O plano da FSociety - grupo que muito nos lembra os Anonymous - é relevante, sim; inteligente e incrível também, pois as missões para seu avanço fazem parecer as quests de um Video Game - daqueles que possuem infiltrações na surdina. Porém, o enredo claramente se enverga para falar sobre um jovem solitário, dependente químico, negligente em relações e traumatizado pelo passado, principalmente a perda de seu pai e as péssimas lembranças com sua desprezível mãe. Elliot é uma personagem trágica, sua fisionomia transparece a perturbação psicológica e a angústia de estar preso em farsas. E por causa do cuidadoso trabalho de escrita, o que acabamos por testemunhar é um avalanche de reviravoltas que aumenta o nosso interesse a cada instante, fazendo-nos relevar alguns momentos medianos. As revelações são extraordinárias e explicitam a inteligência da história.
No que diz respeito as atuações, é preciso destacar o trabalho de Christian Slater como Mr. Robot e de Martin Wallström como Tyrell Wellick. Ambos representam pontos de destaque na temporada, os quais sustentam uma química interessantíssima com o protagonista. Mas é o magnetismo de Rami Malek que mais impressiona. Em uma entrega total a natureza de sua personagem, Rami constrói um Elliot paranóico e vulnerável a emoções intensas, apesar de sua frieza característica. A timidez e o olhar esbugalhado e vidrado são resultados adquiridos durante a decadência emocional e psíquica. A persistência no uso do casaco preto, por exemplo, pode ser compreendida como um dos traços de seu distanciamento intencional. Com certeza, este é o ponto alto de sua carreira, o que é muito justo.
Assistir Mr. Robot foi uma experiência incrível. É uma série que ainda nos reserva inúmeras surpresas e respostas para as pontas deixadas soltas ao final da temporada. Uma série autêntica e instigante, uma lição de Storytelling com certeza. A inteligência do roteiro e a tridimensionalidade de seu desenvolvimento, o que pode flertar com discursos de cunho social e político, tornam a série uma janela para o nosso atual rumo como sociedade. Elliot estaria decepcionado com a gente. Portanto, não é apenas "maneiro" assistir Mr. Robot.
É importante.
Assistam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário