Helena Müller tem grande apreço por duas coisas: primeira, responder perguntas e segunda, seu nome. Por mais que seja difícil conceber, ambas as coisas se interligam, mas em um nível bastante profundo e pessoal jamais revelado. Como conseqüência direta de suas venerações íntimas, Helena tornou-se uma intelectual muito respeitada e de personalidade tão forte quanto o seu nome. Ela admite que um dia, quando nascera, já a nomearam de outra forma, mas que “no processo que me confeccionou ao sublime estágio de existência o qual me encontro, achei inadequado chamar-me daquilo quando deveria chamar-me disto. Então, o meu passado não me interessa e por isso peço que não me direcione mais esta pergunta”. A propósito, esta é a única pergunta que de fato não lhe agrada, pois, tirando isso, nada lhe proporciona mais prazer do que ser indagada. Adorável quando quer ser, simples quando acha necessidade em ser, e ríspida ao se encontrar em uma divagação, Müller não inicia nenhuma de suas respostas sem antes dizer: “E por que você quer obter esse conhecimento?”. No entanto, basta uma insistência convincente que a intelectual responde de bom grado, deixando sempre, após a resposta, a sua célebre advertência pairar sobre o interlocutor: “Agora só não me mate ninguém com este conhecimento!”.
Tivemos o prazer de encontrar esta figura icônica, obra de um esforço que, no fundo, pareceu-me muito acaso. Dissemos que precisávamos de uma resposta e tudo se sucedeu conforme já narrado. Precisávamos de uma definição básica do que viria a ser Literatura. Obviamente, ela implicou com o termo “básico”: “É de um absurdo tamanho que estou sendo tentada a considerá-los pessoas ignorantes. Mas estou rechaçando tal preconceito...”. Esclarecemos, com a voz emperrada como o discurso de um gago, que queríamos a definição para ser lida por adolescentes. “Nenhum conhecimento é básico, pois nem mesmo o desconhecimento é”, rebateu ela. Mas Helena Müller compreendeu a particularidade que requeríamos e atendeu ao nosso pedido. Uma pessoa extraordinária, ela é.
Segundo Helena Müller:
O ato de definir Literatura é uma tarefa difícil, quase impossível eu diria, tendo em conta que muitos estudiosos e intelectuais já intencionaram trazer uma definição definitiva para ela, uma que alcançasse todos os cantos deste vasto ambiente. No entanto, todo esforço para se chegar a uma conclusão unânime era, no final, suplantada por uma observação crítica, porque sempre faltava algum detalhe, e então voltávamos à estaca zero. Por isso fala-se mais sobre conceitos, e não definições; e aí a dinâmica muda completamente, porque cada conceito se complementa, adiciona mais camadas aos estudos e vai elucidando ainda mais o nosso entendimento para com a Literatura.
A palavra Literatura tem, em sua origem, ligação com a palavra littera, que quer dizer letra e, também, o conjunto de habilidades e conhecimentos para compor e ler um texto. Aliás, o material fundamental da Literatura é a letra. Portanto, usa-se o termo para designar uma obra de arte que tem como seu instrumento, e sua forma de se expressar, as palavras. Se fizéssemos um paralelo com a música, por exemplo, veríamos que esta tem o som como o seu instrumento de expressão. Literatura é a arte das letras. Se ainda estiver um pouco confuso para você, veja o que Aristóteles, filósofo da Grécia antiga, disse: “A Literatura é a imitação da realidade”, ou seja, isso quer dizer que o que vemos nas obras literárias são imitações (mimeses) do nosso mundo real, só que com algumas diferenças, como extrapolações lógicas, eventos extraordinários e distorções no espaço e/ou no tempo, coisas que não são possíveis no nosso mundo, apesar de sabermos que ele está repleto de surpresas que desafiam nossas concepções. No entanto, na Literatura, tudo isso é feito com o intuito narrativo, para provocar em nós, leitores, sentimentos e reflexões. O que é mais importante, porém, é sinalizar que para essa tarefa, o escritor faz uso de letras para nos imergir nessa “realidade paralela”.
Contudo vale esclarecer uma coisa. Seria um equívoco falar que tudo aquilo que é composto por letras/palavras pode ser considerado Literatura (Arte). Não, não é isso, até porque para se discutir o que pode ser considerado arte ou não precisa de toda uma discussão mais profunda do que esta. Mas adianto, grosso modo, que arte precisa de um valor, uma significação e, também, comunicar algo de maneira estética. Mesmo assim, seja os livros do Harry Potter ou aquele poema que um aluno escreve para a matéria de produção de texto, ambos são Literatura – obviamente com seus valores diferentes.
O termo também é usado para denominar o conjunto de obras de um determinado país ou período histórico, pois a Literatura exprime bastante a característica e cultura de um determinado povo. Nesse sentido, quando falamos em Literatura Brasileira ou Inglesa, nos referimos às obras feitas nesses territórios, os quais possuem cada um seus próprios costumes e comportamentos. Por outro lado, quando falamos em Literatura Moderna, por exemplo, nos referimos à característica, uma tendência, de um determinado período na história da humanidade.
Apresentados esses conceitos gerais, é possível ter um melhor vislumbre do que se trata Literatura e saber que estudá-la é um ato fundamental para se entender a nossa própria história como espécie – uma espécie singular em numerosos sentidos e que quando escreve suas palavras, exatamente o que ocorre na Literatura, é capaz de deixar um dos mais eficientes vestígios de sua passagem neste imensurável universo.
- Agora só não me vá matar alguém com este conhecimento! Trate de dizer isso a eles também.
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