terça-feira, 22 de setembro de 2015

Ensaio Sobre Questionamento Existencialista Clichê

Casal no restaurante, sentados no pouco iluminado fundo do local, se encontra para bater um papo. Pegamos o bonde andando, no entanto, em oportuno momento, ouve-se:

- Alguma vez você já se pegou olhando ao redor e se sentindo tão diferente das outras pessoas, como se o seu eu fosse incompreendido? - Yasmim indaga com certo teor de contemplação na fala.

- Onde você quer chegar exatamente? - Gustavo paga com outra pergunta.

- A lugar nenhum em especial. Só me bateu a curiosidade de saber se mais alguém já experimentou essa sensação.

- De ser autista, portador de uma síndrome-narcisista?

- Não tem nada a ver com isso. Na real, tem a ver com uma sensação de deslocamento, sabe? Escapulir de algum eixo que, no meu ponto de vista, todo o resto do mundo segue.

- Deve ser divertido se sentir tão especial.

- Eu sei que soa egoísta...

- E é, acredite. Por exemplo, posso enquadrar esse teu raciocínio a nós dois aqui, sentados nesta mesa. Eu posso olhar para os lados e julgar que todo o resto além de nós é menos interessante do que as coisas que nos englobam. Nós somos melhores, nossa comida é melhor, nossa relação é melhor, enfim, até posso pensar que nossa conversa é melhor, apesar de ser difícil me fazer crer nisso. - Ele sorri.

- Me faz parecer uma criança mimada colocando as coisas assim.

- Me desculpe, Yasmim, mas não somos melhores que os outros. Apenas somos, entende?

- Entendo que você sempre gosta de monopolizar os rumos dos nossos papos. - Ela responde em tom áspero.

- Hei, isso não é justo! - Brinca.

- Quer saber? Nem sei porque ainda converso essas coisas contigo. Me manter mais superficial perto de tu é uma boa saída pra não pirar.

- O que você queria ouvir? Ah, Yasmim, você é tão diferente das outras mulheres. Você é tão original, autêntica e interessante. Adoro seu modo de se distanciar dos estereótipos de garotas fúteis e vazias. Que sorte é a minha ter...

- Já chega, Gustavo!

Silêncio. Contatos visuais opostos.

- Você é especial pra mim, Yasmim. E para todas as outras pessoas que te conhecem, creio eu. Mas quanto as proporções que nos contabilizam neste planeta, você é apenas mais uma. Uma singela peça de um mosaico soberbo chamado humanidade.

- Cara, na boa, namorar você deve ser um porre, sabia?

- Sei que temos um progresso agora. - Gustavo diz com um sorriso bobo.

 - Eu, sua companheira, te esganando da forma mais cruel em pensamento neste exato momento? Puta progresso! - Ela disse isso mais alto do que planejara.

- Olha, sua ingratidão me parte o coração. - Ele abre os braços. - Há jeito mais genuíno de parecer diferente do que parecer pior?

Yasmim não respondeu, preferiu digerir o que Gustavo acabara de dizer. Ele, de uma certa forma, havia respondido a pergunta dela, mas ao modo dele.

E o que sucedeu após isso de nada nos interessa.

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