Este é um final alternativo para o conto "Venha Ver o Pôr do Sol" (Lygia Fagundes Telles) escrito por mim. Recomendo o conto.
[...]
– Chega, Ricardo! Você vai me pagar!
– gritou ela, estendendo os braços por entre as grades, tentando agarrá-lo. -
Cretino! Me dá a chave desta porcaria, vamos! - exigiu, examinando a fechadura
nova em folha. Examinou em seguida as grades cobertas por uma crosta de
ferrugem. Imobilizou-se. Foi erguendo o olhar até a chave que ele balançava
pela argola, como um pêndulo. Encarou-o, apertando contra a grade a face sem
cor. Esbugalhou os olhos num espasmo e amoleceu o corpo. Foi escorregando.
Ricardo, porém, tratou com frieza o
desespero de Raquel e apenas ofereceu suas costas como resposta. Ensaiou um
primeiro passo, depois o segundo e assim desapareceu da vista de sua vítima.
- Não, por favor. - Ela disse com a
boca repleta de saliva, devido ao choro.
A angústia torturava o coração de
Raquel, pois o silêncio era o único que a respondia. As lágrimas haviam se
esgotado e um pensamento de culpar a si própria por todo o ocorrido tentava sua
sanidade. Subitamente, um calor reconfortante banhou sua face, trazendo tons
vibrantes de escarlate. Era o pôr do sol, o tal fenômeno que Ricardo tanto
falara. A estrela de quinta grandeza, indo gradativamente do laranja ao
vermelho, distorcia a perspectiva parecendo muito maior do que de fato era. O
horizonte, suavemente, migrava do vermelho para o rosa, que reluzia sobre
qualquer matéria súdita de sua beleza. Raquel estava impressionada, tanto que
se permitiu esquecer-se do tempo e de sua terrível situação. Seus olhos
dançavam com o pôr do sol.
- Sempre soube que você iria
adorá-lo - Uma voz familiar ressurge.
Certo tempo foi necessário para
Raquel sair de sua contemplação, Ricardo faria questão de tirá-la. Ele, ao
dirigir um sorriso ardiloso, requereu a opinião da moça acerca do fenômeno. Então,
o aspecto fúnebre do cemitério retorna, tirando qualquer vestígio de encanto
que possa ter sobrado em Raquel.
- Acabou a brincadeira, Ricardo!
Isso já foi longe demais!
- Eu te disse que seria o melhor pôr
do sol da sua vida, meu anjo. - Sua calma era assustadora.
- Me tire daqui, Ricardo, agora!
Ele rumou em direção a Raquel, mas
hesitou de repente. A noite iniciava seu florescer e Ricardo pareceu ter parado
somente para observar isso, farejou o ar profundamente e tomou pelas mãos um
pedaço de madeira hasteado com o seu nome e o dela escrito.
- O que é isso? - Raquel sentiu seu
coração sufoca-lhe a garganta.
- Isto? - Principia Ricardo, fixando
seu olhar ao item grotescamente ornamentado - Isto é o símbolo que eternizará
nossa história, minha querida, como uma capa de um livro. Neste cemitério
abandonado, repousaremos nossos corpos e continuaremos em alma o nosso amor. -
Neste momento, ele retira de seu bolso um frasco de veneno. - Será apenas eu e
você, meu bem. Tudo o que preciso é esta prova de amor, esta última e indiscutível
prova.
O pranto retornou ao semblante de
Raquel. Ela pediu, suplicou, pelo fim daquela loucura. No entanto, a frigidez
de Ricardo era indistinguível com a luz do luar. Por mais que ela tentasse
racionalizar com o seu opressor, ele parecia estar convicto da decisão. E, antes
que uma lágrima pudesse percorrer dos olhos até o queixo, Ricardo aproximou-se
da porta. Raquel sentiu sua estrutura tremer, quis olhar nos olhos de seu
ex-namorado, mas tinha medo do que poderia encontrar neles. Preferiu olhar para
a lápide.
- Perdoe-me por ser de madeira e não
de ouro. - Disse ele num tom decepcionado. As rugas concediam sombras profundas
em seu rosto, tornando-o enigmático. Raquel ensaiou uma ordem, mas foi
silenciada com o tilintar da chave oferecida a ela. Ricardo fintou o veneno e
sorriu aliciante.
A cativa tomou a chave e, por mais
que a cautela fosse pretendida, não conseguia parar de tremer. O desespero lhe
entorpecera o juízo, gerando um impulso estúpido, sucedido logo após o girar da
chave, de correr - ou a tentativa de fazê-lo. Ricardo, contudo, não foi passivo
à recusa, agarrou-a com uma força demoníaca e não se preocupou em deixar cair
seus itens. Os dois dançaram tragicamente sob a noite. Raquel gritou de forma a
sentir seus pulmões rasgarem, mas fora interrompida quando começou a ser
estrangulada. O carcereiro lamentou o desprezo de sua amada:
- Por que me maltrata assim, Raquel?
Raquel concentrou o fôlego restante
para aplicar uma cotovelada e desvencilhar-se de Ricardo. Porém, torceu o pé logo
após investir a segunda fuga. Um espasmo de desespero sacudiu seu corpo, ela
amaldiçoou a burrice de ter aceitado aquele convite. Ricardo, testemunhando seu
amor, mesmo naquela situação, se afastando dele, aceita que uma lágrima desça no
rosto. Então, uma nuvem obscureceu a lua e Ricardo sacou o último esforço de
impor sua vontade sobre alguém: um revólver.
Apenas um tiro e um clarão precoce invadindo a escuridão. O som do disparo
reverberou junto com o gemido agonizante.
Raquel desaba.
Ricardo guardou a arma, recolheu o
frasco, a lápide de madeira e seguiu para perto do corpo estirado de sua amada.
Ele balançou a cabeça negativamente, como se lamentasse a atitude dela. A luz
tornara-se minguante, mas era possível ouvir os grunhidos suprimidos, até silenciarem-se,
induzindo a morte. Ricardo batalhou contra o choro, respirou fundo e cuidadosamente,
próximo à cabeça de Raquel, fincou a lápide. Ajoelhou-se para acariciar o
cabelo dela e, sem qualquer cerimônia, tomou do veneno, dizendo:
- Espero pelo teu perdão no outro
lado, minha Raquel. - O líquido fluiu pela garganta com acidez, mas sem
oferecer dores. Ele se deitou paralelo a ela de forma a encará-la nos olhos.
Seus membros amoleceram, um cansaço acompanhou o congelamento e a morte abraçou
aquele ser. Ricardo sucumbiu, trazendo uma inquietude soberana.
A nuvem pareceu falecer junto com
Ricardo. A lua retornou seu brilho azulado e um suspiro seguiu a
resplandecência noturna. Era Raquel. Ainda traumatizada, ela hesitou quaisquer
movimentos, mas após certificar a morte do lunático, ergueu-se lutando contra a
dor lancinante que sentia. O tiro perfurara as costas na altura do ombro
direito, um ferimento incapaz de matá-la. Raquel, desesperadamente, havia
forjado a própria morte para manter a vida.
Ela seguiu precariamente rumo à
saída do cemitério. Em nenhum momento quis olhar para trás. Mancando e com uma
bala alojada no corpo, ela tentou recobrar a memória sobre o percurso tomado. E
quando pensou estar a esmo, ouviu o som de crianças, que felizmente, ainda
brincavam de ciranda. Raquel estava livre e salva.