sábado, 28 de maio de 2016

O Paradoxo

Ela e ele estavam no fim corredor. Bem, talvez não fosse o fim exatamente, levando em conta a figura de uma escada sob uma débil iluminação, situada logo além deles. Aquilo muito bem poderia ser o começo do corredor, aquilo muito bem poderia ser eles, dentro daquela escuridão conveniente e longe dos olhares dos quais fugiam. Na prática, essa ideia não havia passado na cabeça dele, ela, porém, achou que sim, então ele passou a achar que sim, ele quis que sim, quis que ocorresse. Mesmo contra a vontade unânime de seus corações, eles escolheram o fim ao invés do começo, e portanto pararam em uma porta. Por simplesmente ser quase impossível fazer o que ansiavam, escolheram a luz.

O percurso até lá, em si, nascera encharcado de cautela e preocupações, já que ele tinha diversos significados, especialmente os ligados ao desejo de fuga. Muito mal sabiam eles que a liberdade jamais brilharia de forma habitual, e com o preço habitual. Estavam aprisionados e para sempre seria assim. Foi por isso que, como em todas as outras vezes, pararam naquela porta e não foram além, pois além havia a escada, a escuridão e a excitação, e as correntes não permitiam tal banquete. Entretanto, apesar de todo o cuidado, os olhares julgadores ainda corriam eufóricos ao derredor, invisíveis e astutos. Ela tentava pegá-los, pelo simples prazer de ser capaz de percebê-los e prová-los errados; Ele, por outro lado, os ignorava, não porque era a melhor opção, mas porque era a menos dolorosa. 

Sim, ela e ele estavam no fim do corredor. Sim, ela e ele pararam onde poderiam ser vistos, pararam em uma porta. Pela sorte de olhos não serem capazes de ouvir, eles agora tinham privacidade, por menor que fosse, para conversarem sobre os infinitos obstáculos que os impedem de obter um contato mais genuíno. Obstáculos, esses, que são capazes de se materializar em qualquer coisa, até mesmo em uma porta. Sim, eu disse que ela e ele haviam parado em uma porta, não disse? Porém, mais parecia que tinha sido a porta que escolhera parar ali, justamente entre os dois. A dura verdade é que aquela porta sempre esteve lá, muito antes deles desconfiarem da existência um do outro, quiçá antes mesmo de ambos terem nascido. Mas se torna divertido, por vezes, pensarmos nesse tipo de simbolismo: No meio do caminho tinha uma porta, tinha uma porta no meio do caminho - e antes fosse só uma pedra. Eles não percebiam o que aquela porta representava no momento, provavelmente distraídos pela insistente procura por respostas que explicassem toda a situação, um esforço quase inútil. Dúvidas mais nasciam do que morriam e, durante esse ciclo, sem o querer das partes envolvidas, a porta ia se expandindo entre eles. Dentro da abertura existia uma força física que empurrava de volta ao lugar adequado aquele que tentasse ignorar as regras, desconsiderar as dificuldades. A força tinha diferentes faces, a face de uma proibição, uma culpa, uma vida antecedente; a face de um medo, um princípio, um eclipse. Para uma pessoa comum, era apenas uma porta com uma sala vazia, para eles, não. Era um tudo vestido de nada, assim como um começo vestido de fim.

Tão perto e tão longe, eles conversaram, cumprindo o rotineiro parto de dúvidas. Mas a angústia valia a pena, porque apreciavam a companhia um do outro. Trata-se de uma história triste, muito triste, mas também valia a pena, porque apreciavam o olhar e o sorriso um do outro. Os pensamentos são sempre mais rápidos que as palavras. Eles sempre atropelam tudo, inclusive as diversas faces de uma força inibidora. Embora exista o partir dos corações, tais momentos servem para tentar remendá-los, enquanto continuam a quebrarem-se, selando um completo paradoxo. 

O tempo voou na velocidade dos pensamentos e, quando ela e ele deram por si, já era tempo de ir. A porta cumpriu sua função com sucesso. Ainda restava muito o que dizer e fazer. Mas para quê, afinal? Eles bem conheciam a gravidade de suas ações concretas e hipotéticas. Além do mais, algumas poucas coisas merecem o campo do subentendido para que haja certa magia. Logo, conforme foram se afastando da porta, a mesma retornava ao seu aspecto anterior, o de simplesmente ser uma fenda em uma parede, nada mais. Os olhares aquietaram-se e retomaram o humor padrão. A luz que se ausentara da escada por todo aquele intervalo de tempo, voltou a resplandecer os degraus. Parecia que não, mas tudo estava recobrando a normalidade. Eles chegaram ali juntos. Eles foram embora separados. Não podiam bobear, com certeza a essência do obstáculo deixou aquela porta para poder possuir qualquer outra coisa.

A questão é quanto mais ela e ele se afastam, mais eles se atraem. Essa, aliás, é a parte mais triste deles. A parte da divisão do coração com a contradição dos atos. Quem sabe um dia alguém explique isso... Explique ela e ele.

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Mãe É Tudo Assim

Ainda no mês de comemoração do Dia das Mães, posto aqui uma homenagem, em forma de poema, que foi encomendada pela minha abiguinha Su para ser recitada por crianças as quais, bem provavelmente, são amadas o suficiente por suas mães, esses seres de bondade inefável, para ouvirem isso e ainda manifestarem uma satisfação na face. Okay, parei com a auto-depreciação. Mas ó, se vale comentar, teve carinho no processo. Garanto. 


Mãe é tudo assim

Plunct Plact Bum!
- Menino, o que houve desta vez?
Mamãe é sempre assim, surge de lugar algum
Perguntando o que o filho fez.

Porque mãe é presença.
Mãe é atenção.
Mãe faz diferença
Ainda mais na repreensão:
- Não faça isso! Saia daí agora!
Essas palavras ressoam
Enquanto minha alma revigora.

Dos dois sóis que me receberam quando nasci,
Mãe é o mais radiante deles.
A estrela de braços macios onde dormi.
E que dentre seus vários deveres,
Faz do amor incondicional seu título de mártir.

- Meu filho vai ter nome de santo.
Mas santo arteiro.
Já olhou pra esse rostinho?
Isso vai fazer bagunça o dia inteiro!

Plunct Plact Bum!
Não tem como ir pra lugar nenhum.
Eu não quero e nem dá,
Porque mãe e longe nunca deveriam combinar.

Como arroz e feijão, quero ter-te pertinho pra sempre
Com o seu carinho aquecendo meu coração
E o seu olhar por minha frente
Protegendo-me de qualquer vilão.

Tu és minha heroína
Dotada de sentidos extraordinários.
Pode juntar todos os Vingadores
E ninguém ali ainda será páreo.

A minha mãe é a razão do meu viver
Presente perfeito de Deus pra se ter.
Mãe, palavra curta de dizer
Mas é igual céu, faz o infinito nela caber.

Mãe, como eu te amo
Eu não sei viver sem ti
Por isso alegre declamo:
Obrigado por existir.

***

Obrigado, Suelem, por me proporcionar essas chances de poder fazer meus textos saírem de outras bocas além da minha. Receba os meus mais sinceros agredicementos.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Suburbiando

A sirene mais uma vez soou.
Embarco no ardor do trem que leva-me de volta
Ao estilo limo com rodas de ferro,
Sob um estridente elo que amontoa esta gaiola.
O rush do fim da tarde nos alcançou.

Por aqui, muitos cruzarão até cidades.
Pelo caminho, um degradê distinguirá as realidades
Com muros pichados, favelas, pobreza,
Becos, vielas e sorrisos em meio a dureza.

Os abastados nos tratam súditos
Por sermos limitados a bens implícitos
Retidos em oculto ramal e distante;
Vindos de um nascedouro caótico, brabo e coadjuvante.

Somos muitos, vivemos nos arredores
De uma cidade com duvidosos intuitos,
Mas a nossa esperança nunca dorme - Ela madruga,
Pois seu trajeto dura horas - Dura vida
De despertar pré-matinal que não mais a intimida.

És tu a bela flor de abril, cuja tua excelência ruiu;
És tão juvenil quanto não gentil;
Campeã viril na lei do funil:
Viva a pátria Brasil.