segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Manuscrito Deixado em Itaipuaçu

Antes que a última hora de 2016 viesse, dediquei alguns minutos para observar. Observar o céu e sua imensidão. Quem me conhece mais a fundo sabe que eu sempre achei fascinante olhar para o firmamento na tentativa de captar um novo detalhe na vastidão, enquanto pensamentos igualmente vastos transitam pela mente. 

Fui até o gramado do quintal e lá deitei. As mãos foram postas como travesseiro e a imobilidade tomou conta de mim, apenas as retinas se moviam. O céu estava limpo e salpicado de estrelas, mais do que normalmente costumo ver - pois o centro urbano com suas cintilantes luzes artificiais haviam ficado para trás -, e os belos fogos de artifício, anunciando o final próximo de mais um ciclo, iluminavam a noite e o meu rosto.

Depois de alguns minutos em silêncio solene pude perceber uma coisa que me fez esquecer a pinicagem da grama e a dormência nos braços. Percebi que o céu estava me olhando de volta. Bem, eu já estava encarando-o há um tempo considerável, e não me preocupava em ser retribuído. Mas eu fui. E num canto singelo do infinito teto, como se fosse uma mancha de mofo, descobri uma fenda. A brecha, a qual mirei prontamente, me levou para o ponto mais profundo do universo. Lá julguei ser uma perfeita ocasião para conversar com Deus, pois acreditei estar olhando em Seus olhos. Comecei a conversar, não dando muita pretensão às palavras, que eram mais emitidas em pensamento do que em oralidade. E tive o fascínio de me descobrir sendo aquilo que todo ser humano anseia ser: ouvido.

O espírito das festividades de fim de ano, querendo ou não, acabam nos contagiando e por isso temos uma tendência a agir de maneira mais reflexiva. 2016 foi um ano incrível, repleto de experiências novas que para sempre ficarão tatuadas na minha alma. Sim, foi um ano difícil, o qual me machuquei algumas vezes e entrei numa solidão que me assusta só de pensar. Mas nada disso ofusca os méritos de ter vivido intensamente e ter me entregado a tudo que eu considerei válido me entregar. Deus enxergara no meu coração a vontade de desabafar essas coisas, então direcionou sua atenção a mim, àquele ínfimo pontilhado num gramado. Eu tinha muito o que dizer e agradecer, e Deus responde ao necessitado, principalmente aqueles necessitados de amor. Fiz tudo isso com a satisfação que meu espírito havia vestido. Pensei em algumas pessoas, importantes e amadas, e as balanceei com a calmaria que o ambiente da fenda me proporcionava, para assim enviar muita positividade e amor.

Só que em meio a minha conversa com Deus, uma nebulosidade se intrometeu como quem sente ciúmes de uma intimidade alheia. Achei estranho! E fiz questão de gritar isso. Conforme as nuvens avançavam sobre o meu campo de visão, fui perdendo o contato com Deus, até o momento em que todas as estrelas e o meu ponto mais profundo no universo fossem perdidos de vista. Voltei a perceber a pinicagem e o formigamento nos braços. Eu não queria perder aquele lugar. Estava me sentindo preenchido, apesar de ser um local que confundia sossego com angústia. Tentei tocar as nuvens para dissipá-las. O desespero principiou sua chama em meus nervos e uma vontade de me levantar e enlouquecer me cutucou. 

A nuvem ia se tornando mais densa.

Os rojões começaram a estrondear um atrás do outro, sem qualquer pudor ou consideração para com a ocasião. "Merda! Eu só queria agradecer a Deus, conversar com Ele. Será que é pedir muito? Calem a boca rojões malditos, nuvem maldita, calmaria maldita. Calem-se, malditos!". Não há nada mais humano do que o desespero. Só que Deus não queria a minha agonia. Sua voz veio até mim, somente a voz. A nuvem havia sido um teste, um último para o ano - essas foram as palavras dEle. As estrelas permaneciam escondidas, mas Sua voz chegava nitidamente a mim, pedindo por minha calma. Meu estado foi ficando mais sereno e a respiração menos arfante. 

Então, quando não mais ofegava, entendi a lógica de tudo, o sentido da experiência e o motivo de eu ter sido capaz de enxergar o mofo. Aquelas estrelas eram minhas e 2017 estava vindo para eu ir atrás delas. Soa óbvio assim, mas a gente tem mania de acreditar que as nuvens são eternas. Deus não dá nada de mão beijada, como se fosse uma espécie de mimo desregrado. É preciso lutar por aquilo que se quer conquistar, vencer a nuvem.
Agradeço pelo ano maravilhoso que foi 2016, o qual nunca esquecerei e Ele fez questão que eu não esquecesse, jamais. "Algumas atitudes feitas pelo coração não me entristecem. Não se desespere.", foram as suas últimas palavras antes que se despedisse. Pedi perdão pelos meus erros e prometi ser alguém melhor do que jamais fui. Ele soprou uma brisa aconchegante na minha direção e me pediu para confiar. Fiz que sim e Ele sorriu. 

Como eu sei que foi um sorriso?

Bem, uma estrela venceu a nuvem e alcançou meus olhos. 

Dei um nome a ela. O nome mais belo que um dia tive o prazer de pronunciar pela primeira vez. E continuarei pronunciando até que a morte, sob a permissão do Senhor, me leve.

Feliz 2017. Principalmente para você, que confia.

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