quinta-feira, 29 de outubro de 2015

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Beira de estrada. Num mercado ao longo, um homem empacotava suas compras apressadamente. Ele estava eufórico, mal conseguia controlar suas próprias coordenações e como resultado, ao receber seu troco, deixou que uma moeda de dez centavos escapulisse de seus domínios e rolasse calçada abaixo, rumo ao asfalto conturbado. O homem, com um impulso automático, correu atrás da moeda numa dedicação nada recíproca, onde seu pé direito tentava deter a fuga, mas a moeda continuava a rolar e o homem, à estrada, atenção não prestava. Obviamente, em certo momento, ele conseguiu detê-la, conseguiu recuperá-la. E após esse certo momento, ele lembrou-se de suas compras, lembrou-se de sua pressa, mas também, não menos importante do que todo o resto, lembrou-se que estava sob a agitação de uma estrada.

E morreu.

Quanto a moeda, a pressa e as compras, todas passam bem.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Leve em Consideração

Quando os olhos de Clarice foram de encontro com os de fulano, ela foi capaz de enxergar toda a beleza contida naquele ser. Ele, trocando em miúdos, era a coisa mais linda que ela já viu ou ainda veria em toda sua existência - e para tal conclusão delicada não fora preciso mover a retina um só centímetro, Clarice sabia disso e era suficiente apenas olhar, mergulhar nos olhos cor Amazônia, vívidos e puros, os quais devolviam percebimento. Junto ao momento, a respiração da moça desapareceu por um segundo equivalente a século, seu corpo traiu-a com arrogância ingrata e ela sentiu nas entranhas mais profundas que a compõe, uma palpitação abstrata que arranca a razão até dos mais pragmáticos dos homens: Amor. Amor categórico e incisivo; amor que não pede para adoecer; o mesmo amor neutralizador de sentidos; o amor cego que, tal qual pelos próprios olhos, escolhe não mais enxergar nada além do que o último vislumbre - O que alguns ainda insistem em chamar de primeira impressão... De primeira vista.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Pensando Sobre o Ato de Escrever

Pergunte para um escritor, qualquer um mesmo, do amador ao profissa-nobel ou até aquele já passado desta pra melhor: "O que é escrever?". Haverá uma infinidade de respostas, certamente. No entanto, nenhuma descartada poderá ser, pois cada uma terá o seu valor caso haja o intuito de melhor entender esta prática. Há aqueles que escrevem muito, há os que pouco escrevem, há aqueles que dizem de si, outros que dizem do externo a si somente, têm os que são dramáticos, ou os sátiros, há os realistas, mas há os fantasistas também. Pensando sobre o que poderia ser comum a todos esses sujeitos, veio a minha cabeça um pensamento, que pode, de certa forma, agregar esse que vos fala a mais um dos trizalhões que tentam responder:

- O que é escrever?

"Escrever é um ofício que requer a menor obviedade possível, ou toda da mesma -, que seja. Sobretudo, o que me parece imprescindível para ambos os casos é o exercício da imaginação focado para um fim unânime, que é a matéria prima para qualquer arte: o sentimento. Ignorá-lo, então, representa não só um atentado contra a obra e o ofício, mas também para a sua própria capacidade de se expressar."

Eu disse, talvez, mais do mesmo, mas disse. E muitos demais ainda irão dizer.
Isso, pois, é ótimo.
Que se expressem à vontade.

Um Caso de Liberdade da Verdade

Gosto do completo desprendimento social que, por vezes, ocorre de jeito implacável e fagulha-me uma vontade quase sexual de somente dizer a verdade, aos montes. Verdades de todos os tipos, mas principalmente aquelas que embaraçam os meus vínculos mais frágeis. Aquelas do tipo que machucam por apenas ser a verdade, pura e sem ornamentos, dita num oportuno momento de distração ou conveniência. Ela vem e não sai, fica ali que só ela, complexando o emocional do indivíduo que a recebe como uma reverberação de um som interminável - o tipo de verdade que gosto de dizer, mas nunca de ouvir, pois sou humano, sou hipócrita, o que é outra verdade.