sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Itambaraçá

Sobre esta rua, nesta minha rua, uma chuva não convidada faz estadia. Ela veio com a naturalidade que não se pode deter, pois o tempo e o seu incorruptível andar estavam como fiéis aliados, em trajes finos e solenes, preparados para ocasiões formais e sérias. Juntou-se alguns fatores facilitadores, como inércia e vulnerabilidade crônica, e pronto, nuvens enegreceram como roupa branca suja-se na lama. Quem poderia presumir? A hora de sua chegada foi a hora da nossa vontade de enxotá-la, num timing mais humano impossível. Se esta chuva renova ou não o antigo solo, hoje muito encharcado, não se sabe ao certo. Na verdade, se sabe, sim. Ou não. Sei lá. O fato irrefutável da prosa é que está chovendo.

Não é garoa fina nem torrente que causa enchente. É chuva de meio termo, como a vida ou a morte, que jamais tomam partido de um lado. Não serve para beber, mas serve para banhar, até mesmo aqueles que não a querem como a água que os banham. Serve principalmente para deteriorar a fotografia. A fotografia que cada morador desta rua carrega nas mãos da mente, guardada pelo íntimo afeto e nostalgia que conduz as lágrimas, as quais se perdem com os pingos. A querida fotografia vai perdendo seu brilho conforme os dias passam. Sabemos que é natural, só não sabemos lidar com isso. Nela estamos nós, os habitantes, desde o passado ao presente, desde o novo ao mais velho, ligados por mais coisas que números e muros. Todos nós expostos às gotas de meio termo.

Alguns estão sendo manchados, desbotados ou borrados. Mas há os que estão sendo apagados, deixando um vazio no quadro. Não será preenchido. E com o assistir da dança desta borracha imperativa, assistimos sincronicamente o passado se tornando mais passado ainda; memórias de um tempo atrás, em lembranças de um tempo demais; e a vida, que tanto parecia longa e invariável, em um choque de realidade mordaz. A chuva persiste e a correnteza por ela criada leva aqueles que não imaginávamos que iriam, fazendo da ausência da despedida digna nosso maior pesar. Seja querido ou não, amado ou não, é do passado que estamos chorando; o passado que em tudo tinha a ver com o presente e em nada terá com o futuro.

Tudo isso vai com a chuva. Somos os anfitriões da vez. Peço a Deus pela alma dos que se foram e pela vida daqueles que ainda estão sob ela, pois esta é a dádiva que chamamos de vida. Esta é a rua que não morrerá. Esta é a chuva que uma hora vai parar. Esta é a fé que não perecerá. Esta é a gente que não se esquecerá. Este é o ciclo, que para sempre se transformará.

E caso esteja achando que ando falando muito de chuva, saiba que a deste texto é diferente, é algo além; a espécie de chuva que não desejo pra ninguém. Que a proteção do divino Senhor esteja com todos, amém.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

A Indignação de Um Nerd Interior: Assassin's Creed

Na última quinta (12) fui ao cinema pela primeira vez no ano, o que já é um baita alívio, porque 2016, meu Deus do céu, que aninho pobre de idas ao cinema! Fui pouquíssimas vezes mesmo (mas também vou te falar, algumas dessas "vezes" foram, pra mim, as melhores e mais maravilhosas. Xiu!). Sem sacanagem, acho que devo ter ido mais ao médico do que ao cinema. E isso me faz lembrar de um tal projeto "Cinemas do Rio 2016", onde a minha intenção era ir em TODOS os cinemas da cidade, todos, numa verdadeira peregrinação cinéfila. Mas enfim, eu não completei projeto nenhum, fui pouco e já perdi o fio da meada da conversa - apesar disso ser bem o feitio do filme que falarei. Mas, calma, chegaremos lá.

Peguei meu ânimo e parti pro cinema, né, eu e mais dois amigos, para assistir nada mais, nada menos, que ASSASSIN'S CREED. Pra quem não tá muito por dentro, nessas horas, boia legal, porque, oras, vê um fuzuê danado por causa do lançamento de um filme que tem no nome a palavra credo. E credo mesmo, valha-me Deus! Muito credo, cruz credo, vá de ré Satanás e dez Pai nosso pra esse filme... Mas vou me conter de novo - ao menos tentar - para não perder a razão e acabar parecendo um mimizador de internet. Então lá fomos nós três assistir ao troço. Desde agora aviso aqui que nenhum de nós estava com esse tal de fuzuê no couro. Longe disso, muito longe. Fomos de maneira totalmente okay, sem empolgação doida ou expectativa alta. Éramos apenas três caras indo ao cinema e só.


Primeiro vou situar as coisas:

O filme é uma adaptação de uma famosa franquia de jogos eletrônicos que pertence à francesa Ubisoft - tá aí o motivo da mobilização dos nerds. No elenco principal estão Michael Fassabender, Marion Cotillard, Jeremy Irons, Charlotte Rampling; a direção está nas costas de Justin Kurzel e o roteiro nas de Michael Lessile, Adam Cooper e Bill Collage. Lista boa, você não acha? Dava pra confiar.

Dava.

Estou aqui me prendendo que nem cervejeiro religioso entre o boteco e a igreja, pra não ficar boladão e sair cuspindo palavrão, mas tá muito difícil - Jesus, me ajuda. Confiança demais dá nisso: decepção. Nem tanta da minha parte, admito, porque não sou um fã fanático, mas a sensação que fica é  de ter assistido a um filme ruim. Um filme esquecível é o que ele é. Não estaremos daqui a dez anos falando: "Cara, lembra de Assassin's Creed? Que filmão, moleque! Que filmão". De jeito nenhum. Ainda tá confuso o porquê do resultado final ter sido aquilo, o mostrado na telona. Gente, parecia tão fácil, com base nos nomes nessa equipe, que iria sair o "filmão" dali. Pensei em estrear o ano metendo o pé direito na porta e chegar chegando. Pobre inocente. Mas, calma de novo, garoto.

A série de vídeo games possui milhões de fãs ao redor do mundo. Fãs apaixonados do tipo rasga a camisa e dá o sangue, meu irmão. Particularmente, nas palavras deste sujeito que está escrevendo, tive a oportunidade de jogar alguns títulos e confesso que gostei. Não de todos. Mas gostei. Deixo até minha menção mais que honrosa aqui ao Assassin's Creed 2. Que jogão, maluco! Tem que ver, um dos meus preferidos. Aliás, o motivo de tanto fascínio para com a franquia, acredito eu, está na premissa que ela carrega. A ideia é você controlar Desmond Miles - pelo menos nos primeiros e principais jogos -, um sujeito que se descobre pertencente a uma linhagem de assassinos. Não meros assassinos meia boca e, sim, membros de uma sociedade secreta milenar. Com a ajudinha de um treco engenhoso por demais chamado Animus e uma pequena equipe de cientistas, Desmond é tomado por uma corporação para, através da máquina, acessar as memórias de seus ancestrais e viver aquilo que eles viveram. Sendo assim, ele é capaz de visitar tempos passados, como a época das Cruzadas (AC 1), a Renascença (AC 2 e Brotherhood) e a Revolução Americana (AC 3). Fazendo uso dessas memórias de seus antepassados, testemunhamos os conflitos incansáveis entre os Assassinos e Templários, que disputam, entre outras coisas e poderes, a posse da chamada Maçã do Éden, um artefato que guarda o segredo do livre arbítrio. Uuuuhhh... Que profundo. E é, vai por mim. Legal também. O conflito perdura até os tempos atuais, com os Templários ainda influenciando o rumos da humanidade.

Imagem do jogo Assassin's Creed 2
Espero ter explicado mais ou menos o fio que conduz as histórias dos jogos, que é o que deveria também conduzir o filme. No entanto, no filme, nos deparamos com uma Animus que deixou de ser um complexo mecanismo de acesso ao código genético para virar uma espécie de máquina maluca que, na tentativa de proporcionar uma realidade aumentada, parece mais uma nova atração dos parques da Disney, levantando pra lá e pra cá quem a ela está acoplado. Isso é somente um dos numerosos vacilos. Poxa, eu falei, a produção tinha tudo pra dar certo, sabe? A Ubisoft estava envolvida no projeto, Michael Fassbender tomou a dianteira na produção, tínhamos um bom diretor e um extenso material de base, que eram os diachos dos jogos. Porém, todavia, não obstante, o filme é o quê? É o quê?

Ruim.

É ruim, cara, o filme. Infelizmente é a verdade. Houve sempre um pé atrás quanto ao negócio, pois nós sabíamos da reputação de adaptações cinematográficas de jogos, um tenebroso histórico de produções xexelentas - vide D.O.A, Far Cry, Street Fighter... Ai, não consigo terminar. Mas apesar do pessimismo, havia esperança. Assassin's Creed pareceu surgir, através dos malditos trailers, como uma luz no fim deste túnel de esgoto. Só que no final, meu amigo, percebemos que Assassin's Creed não fugiu da maldição. Maldição é maldição.

Michael Fassbender como Aguilar.
Falei lá em cima que não havia expectativa da nossa parte, procede?

Sim, procede. Mas aquela ansiedadizinha é natural, não é mesmo? O que assistimos, no entanto, foi a um projeto extremamente preguiçoso e desinteressante que, literalmente, dá sono - juro! Tipo, o roteiro, que é a alma da parada, não faz jus algum ao potencial da série. As personagens são superficiais e com motivações pobres, o plot é ralo, os diálogos são expositivos e todo o restante é morno. A história gira em torno de Cal (Michael Fassbender), um rapaz vida torta com o passado traumatizado pela morte da mãe, autoria do próprio marido. Ele cresce marcado pelo trauma e vira um criminoso, que anos mais tarde é preso e condenado a pena de morte. Ao ser executado, a LETAL injeção letal não o mata - vaso ruim não quebra, já dizia a vovó - e isso faz com que ele, americano, vá parar em Madri, num prédio de uma fundação chamada Abstergo, onde lá está a famigerada Animus. Com as explicações da cientista Sophia (Cotillard), Cal fica sabendo que um ancestral seu, Aguilar, tinha sido um assassino na época da inquisição espanhola e era de suma importância Cal acessar essas memórias com o intuito de descobrir o paradeiro da Maçã do Éden, artefato que, entre muitas definições, esconde o segredo do livre arbítrio. Segundo o próprio filme "Ela foi deixada por Deus como um mapa para entender a violência". Templários e Assassinos buscam por essa maçã, com os primeiros querendo usá-la e os segundos, guardá-la; e Cal tem a missão de achar esse troço antes dos inimigos.

Beleza, beleza, é uma sinopse legal. Pô, o cara voltar no tempo atrás de uma relíquia misteriosa que tem ligação com o mundo atual e no meio disso tudo existir conspirações etc. É bacana só no papel mesmo, porque na tela o buraco é mais embaixo. Os traumas do garoto Cal, por exemplo, logo no início, são jogados de maneira apressada, fazendo com que não haja envolvimento emocional com a personagem. O filho chega em casa, a mãe já tá morta e o pai lá do lado me vem com a miserável frase "Corra". Só. Não testemunhamos momentos anteriores entre pais e o filho, não há construção de afeto, desenvolvimento de empatia; simplesmente o matar por matar: "Mãe é mãe, então é só meter o faca que eles choram". Isso me incomoda pra caraca, pois prejudica o todo, entende? Cal termina por ser uma figura que não nos oferece empatia. Não nos importamos com os rumos de seus dilemas. Pra mandar a real, a gente caga pra ele o filme inteiro, não tememos por sua morte. Justamente ele, o fio condutor da história, a ponte mais sólida que nos liga ao enredo.

Os caminhos que levaram o sujeito até a vida de detento é a mesma coisa, nada é construído. E deixar tudo a cargo dos diálogos para explicar aquilo que deveria ser mostrado é o que empobrece a trama. "Quem eu matei foi um cafetão", disse Cal. Que se dane, cara! E daí? É assim mesmo que você quer justificar seus atos, filhão? Ó, ó, está ouvindo? São palmas. Palmas e mais palmas pra você.

A Animus no filme.

A Animus no jogo.
Mas já é, o cara não morre com a tal injeção letal e é levado para a Espanha - nada até agora foi spoiler. O prédio da Abstergo abriga outros indivíduos iguais ao Cal, que sonham com a vida de liberdade. O plot agora deveria se dedicar aos personagens secundários e ao passado do principal; à figura da cientista Sophia; ao enigmático Allan Rikkin (Irons; pai de Sophia); e às idas até a antiga Espanha. Nada, mano. O filme começa a se arrastar exatamente aí, com motivações fracas, direção perdida e relaxada, cenas de ação medíocres e confusas, design de produção irrelevante e poucas variações na trama, deixando-a ralinha, ralinha. A lista é imensa, tão imensa que você fica com sono. Cara, o atrativo principal do bagulho é você visitar tempos passados, viver dentro de uma época diferente, e os caras não desenvolvem NADA da Espanha em plena inquisição. Imagine o tanto de potencial narrativo que isso tem, pra explorar o contexto histórico, e eles cagaram. Aí, o filme fica todo naquele prédio tosco, com pessoas toscas, com uma Animus tosca e as poucas visitas ao passado, advinha - não, não, não, advinha -, são toscas.

Aguilar, o assassino? Quem é Aguilar, meu Deus? Eu lá sei quem é esse maluco. Porque foi exposto zero sobre ele, ou eu estava dormindo nessa hora, não é possível. Nas suas mãos havia uma liderança no grupo dos assassinos e a responsabilidade de ir atrás da maçã. A mesma coisa que nada, segundo a visão dos roteirista, pois a personagem é tão apática quanto o Calzão. Vai ver está na genética, né, ser chato pra cacete. O grupo de assassinos, aliás, Pai do céu, não lembro de ninguém. Ninguém se destaca, alguns nem fala ou uma mísera cena têm - senão lutas.

Eu vou parar de escrever por aqui, porque estou vendo que não consigo me conduzir pra produzir algo bom. O texto já tá ficando gigante e chato, igual o filme. A mensagem, pelo menos, foi dada, o filme é ruim. Estou chateado pelo resultado final. Não há um respeito pela excelente série de jogos e o incrível é que quanto mais penso sobre o filme, mais vejo que ele se distancia da atmosfera de Assassin's Creed. Por exemplo, o emblemático Salto de Fé (Leap of Faith), marca indiscutível dos jogos, é trazido para a adaptação de forma forçada e sem profundidade ou contexto, um fan service de péssima qualidade. Não espero assisti-lo novamente. Eles até, na cara mais mal lavada, deixam um gancho para uma continuação. Estão de sacanagem, só pode. Espero, do fundo do meu coração puto, que isso jamais ocorra. Deixa morrer, ser esquecido. Essa, diga-se de passagem, é a melhor habilidade deste filme.

A vontade é xingar muito no Twitter e amaldiçoar toda a geração de quem produziu essa joça, até chegar no Gênesis.

Mas vou jogar um Lolzinho que eu ganho mais.

domingo, 15 de janeiro de 2017

Disse

Sábado passado, na festa, Kelly estava sentada sob a claridade prateada da lua, em frente às violetas, encarando-me com aquele grande par de olhos magnetizantes. Eu estava me aproximando, quando ela enrijeceu seu espírito e levantou-se com a graça que não ouso descrever.

Encontrei-me sendo acariciado suavemente, no rosto, por suas mãos macias, tal como o toque de uma seda. De repente, vi fluir nela um manancial. Não era sólido, pois vivíamos em um país tropical; e tampouco gasoso, porque não estávamos dispostos em nenhum planeta venenoso. Era indiscutivelmente líquido. Era bonito, calmo, quente e salgado - o grupo de qualidades que não costumamos definir as lágrimas.

- Eu estou feliz - ela me disse.

Ter conhecimento da significação fez encher o meu ser de alívio, até porque constatei, enfim, que compartilhávamos do mesmo sentimento.

Tradução Espontânea:It's Always Summer Under The Sea

É Sempre Verão Debaixo do Mar

O verão é eterno
Lá sob o mar
Eu sei, eu sei, ah, ah, ah...
As aves têm escamas
E os peixes alçam em asas
Eu sei, eu sei, ah, ah, ah...

A chuva é seca
E a neve cai para o céu
Eu sei, eu sei, oh, oh, oh...
As rochas espedaçam-se
A água queima
As sombras vêm para dançar, lorde meu.
As sombras vêm para brincar.
A escuridão chega para dançar, lorde meu.
As sombras vêm para ficar.

***

Música presente na trilha sonora da 3ª temporada de Game of Thrones, cantada, no episódio, por Shireen Baratheon (Kerry Ingram). Esta singela canção, para mim, representa bastante o sofrimento e solidão que foi a vida desta menininha. Presa numa torre e prejudicada pelas marcas de uma doença grave, Shireen é o tipo de pessoa que não possuía otimistas perspectivas de vida. Mas era dotada de uma natureza graciosa e terna fragilidade que me fazia admirá-la. Uma personagem interessantíssima. É uma pena não termos mais esta pequenina na série da HBO. Uma pena.

Espero que agora, pelo menos do outro lado, ela tenha encontrado seu verão eterno. Lá sob o mar.

sábado, 14 de janeiro de 2017

O Breve Discurso de Um Viajante

Olá, companheiro viajante! Saudações andarilhas a todos.

Se não lhe for chato ouvir algumas palavras de elucidação, as quais costumamos chamar de conselho, dedique um pouco da sua atenção a este errante calejado. 

As estradas certamente reservam perigos que não podemos prever. Sempre foi assim. Mas é válido lembrar que a magia da coisa está nisso. A propósito, eu nunca saio em uma aventura que não me ofereça riscos; pois pra que servem as viagens se não houver aquela sensação de não ter o controle de tudo?

Você me ouviu?

As estradas não mentem.

Alguns até dizem: "Olha, você uma hora vai é morrer se continuar pensando assim". Blah! Quem fala essas balelas não costuma viajar e de tabela não costuma viver - e aí, se não vivem, por que a morte importa tanto a eles, afinal?

Sei lá, não imagino aventuras sem riscos. Seria um crime investir em uma sabendo que tudo será um mar de flores com perfume de aloe vera e, mesmo assim, ao final dela, ter a cara de pau de regressar com a mesma satisfação que Santos Dumont experimentou ao pousar sua engenhoca, ou Martin Luther King, por ter marchado.

Não seja o tipo fraco de viajante. Não desperdice o seu talento inato de atrair toda sorte de perigos para o teu cangote. Perceba o valor que isso tem, para não achar que a viajem é apenas mais um dia comum. Viagens são feitas para loucos varridos, com deficiência em se manterem presos a correntes que são invisíveis o bastante para alimentar uma liberdade ilusória. Assuma a loucura como quem assume o desconforto de um sapato apertado já sabendo do satisfatório prazer que será retirá-lo.

A loucura está aqui, junto com as ameças, e não há período melhor para elas se proliferarem do que a noite. Sim, está em nosso código genético temê-la, até porque é ela quem melhor sabe atrair riscos. Existem noites que são verdadeiramente escuras, sem estrelas ou lua, sem brisa ou cricrilo que nos atinja e faça constatar outra vida além da nossa. São noites de desolação e relento, onde não é possível enxergar nada além de pessimismo, somente solidão. 

Lá se vão nossas esperanças diante das noites que não se pode impedir - e qualquer viajante de respeito, caro companheiro, tem medo. O medo é a mais excitante das aventuras. Tenha-o sempre na mochila consigo, deixando claro a ele quem está no controle. Porque com a noite a dinâmica é diferente. As noites são naturais, previsíveis e implacáveis. Noites sempre vêm e todo esforço contrário é inútil. 

Contudo, tão certa quanto a sua chegada, é a sua partida. Noites são incompetentes em durarem mais do que um choro, mais do que uma angústia... um susto. A tempestade, por vezes, é uma cartada desesperada da noite em golpear o ânimo de um viajante. Mas encare os pingos e trovoadas como berros de uma criança mimada que pede o brinquedo de uma vitrine. E esse brinquedo, meu caro, é você; só que o papai não vai comprar.

Dizem que a noite é mais escura bem antes do amanhecer. Talvez seja por isso que o viajante, ao deparar-se com momentos de completo breu, não deve temer. O amanhecer está vindo.

Portanto, beba um farto gole d'água, bata as solas dos pés com firmeza e tome o seu roteiro e cajado - se tiver algum - e aprecie o horizonte borrar-se em tímidas cores quentes. Há sempre uma manhã perto de todo aventureiro que aguenta as pontas e vigia o céu. Vigie o seu também e cante as canções dos destruidores de noites com todo o esplendor que é saborear a aurora de um novo dia, que, acredite, está vindo para você.

Mantenha o curso no sentido da vida: pra frente.

Boa viagem, nobre viajante.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

A Tristeza

Tenho pensado sobre as coisas passageiras
E me pergunto: Por que a minha tristeza não é uma delas?
Me pergunto também pela sua maneira
De me derrubar sem nenhuma cautela.

Podem poetas, sábios, filósofos e bardos
Dizerem-me que ela é passageira, sim.
Mas que esforço é querer atribuir razão
à mente de alguém que a tristeza faz fluir?

Aliás, todos eles são tristes - pessoas tristes!
Que em suas lástimas produzem aquilo que os fazem parecer cada vez mais...
Tristes.
E eu, não podendo ser considerado nem um miserável rimador,
Faço da minha própria desolação
O discurso da minha dor.

Tristeza é um mal necessário,
O qual a única necessidade é estar triste.
Nada mais.
E deixar que pensamentos antes felizes
Transformem-se apenas em lembranças menos...
Tristes.

Quem me dera eu tivesse a arma
Que mata estas lágrimas que teimam em não descer
Por este rosto de falsa calma
Onde existe uma alma a sofrer.

Quero que de mim a tristeza vá embora
Para que eu não tenha o que lamentar,
O que agonizar,
O que escrever,
Em palavras tão tristes no agora
Que de forma alguma passageiras vão ser.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Manuscrito Deixado em Itaipuaçu

Antes que a última hora de 2016 viesse, dediquei alguns minutos para observar. Observar o céu e sua imensidão. Quem me conhece mais a fundo sabe que eu sempre achei fascinante olhar para o firmamento na tentativa de captar um novo detalhe na vastidão, enquanto pensamentos igualmente vastos transitam pela mente. 

Fui até o gramado do quintal e lá deitei. As mãos foram postas como travesseiro e a imobilidade tomou conta de mim, apenas as retinas se moviam. O céu estava limpo e salpicado de estrelas, mais do que normalmente costumo ver - pois o centro urbano com suas cintilantes luzes artificiais haviam ficado para trás -, e os belos fogos de artifício, anunciando o final próximo de mais um ciclo, iluminavam a noite e o meu rosto.

Depois de alguns minutos em silêncio solene pude perceber uma coisa que me fez esquecer a pinicagem da grama e a dormência nos braços. Percebi que o céu estava me olhando de volta. Bem, eu já estava encarando-o há um tempo considerável, e não me preocupava em ser retribuído. Mas eu fui. E num canto singelo do infinito teto, como se fosse uma mancha de mofo, descobri uma fenda. A brecha, a qual mirei prontamente, me levou para o ponto mais profundo do universo. Lá julguei ser uma perfeita ocasião para conversar com Deus, pois acreditei estar olhando em Seus olhos. Comecei a conversar, não dando muita pretensão às palavras, que eram mais emitidas em pensamento do que em oralidade. E tive o fascínio de me descobrir sendo aquilo que todo ser humano anseia ser: ouvido.

O espírito das festividades de fim de ano, querendo ou não, acabam nos contagiando e por isso temos uma tendência a agir de maneira mais reflexiva. 2016 foi um ano incrível, repleto de experiências novas que para sempre ficarão tatuadas na minha alma. Sim, foi um ano difícil, o qual me machuquei algumas vezes e entrei numa solidão que me assusta só de pensar. Mas nada disso ofusca os méritos de ter vivido intensamente e ter me entregado a tudo que eu considerei válido me entregar. Deus enxergara no meu coração a vontade de desabafar essas coisas, então direcionou sua atenção a mim, àquele ínfimo pontilhado num gramado. Eu tinha muito o que dizer e agradecer, e Deus responde ao necessitado, principalmente aqueles necessitados de amor. Fiz tudo isso com a satisfação que meu espírito havia vestido. Pensei em algumas pessoas, importantes e amadas, e as balanceei com a calmaria que o ambiente da fenda me proporcionava, para assim enviar muita positividade e amor.

Só que em meio a minha conversa com Deus, uma nebulosidade se intrometeu como quem sente ciúmes de uma intimidade alheia. Achei estranho! E fiz questão de gritar isso. Conforme as nuvens avançavam sobre o meu campo de visão, fui perdendo o contato com Deus, até o momento em que todas as estrelas e o meu ponto mais profundo no universo fossem perdidos de vista. Voltei a perceber a pinicagem e o formigamento nos braços. Eu não queria perder aquele lugar. Estava me sentindo preenchido, apesar de ser um local que confundia sossego com angústia. Tentei tocar as nuvens para dissipá-las. O desespero principiou sua chama em meus nervos e uma vontade de me levantar e enlouquecer me cutucou. 

A nuvem ia se tornando mais densa.

Os rojões começaram a estrondear um atrás do outro, sem qualquer pudor ou consideração para com a ocasião. "Merda! Eu só queria agradecer a Deus, conversar com Ele. Será que é pedir muito? Calem a boca rojões malditos, nuvem maldita, calmaria maldita. Calem-se, malditos!". Não há nada mais humano do que o desespero. Só que Deus não queria a minha agonia. Sua voz veio até mim, somente a voz. A nuvem havia sido um teste, um último para o ano - essas foram as palavras dEle. As estrelas permaneciam escondidas, mas Sua voz chegava nitidamente a mim, pedindo por minha calma. Meu estado foi ficando mais sereno e a respiração menos arfante. 

Então, quando não mais ofegava, entendi a lógica de tudo, o sentido da experiência e o motivo de eu ter sido capaz de enxergar o mofo. Aquelas estrelas eram minhas e 2017 estava vindo para eu ir atrás delas. Soa óbvio assim, mas a gente tem mania de acreditar que as nuvens são eternas. Deus não dá nada de mão beijada, como se fosse uma espécie de mimo desregrado. É preciso lutar por aquilo que se quer conquistar, vencer a nuvem.
Agradeço pelo ano maravilhoso que foi 2016, o qual nunca esquecerei e Ele fez questão que eu não esquecesse, jamais. "Algumas atitudes feitas pelo coração não me entristecem. Não se desespere.", foram as suas últimas palavras antes que se despedisse. Pedi perdão pelos meus erros e prometi ser alguém melhor do que jamais fui. Ele soprou uma brisa aconchegante na minha direção e me pediu para confiar. Fiz que sim e Ele sorriu. 

Como eu sei que foi um sorriso?

Bem, uma estrela venceu a nuvem e alcançou meus olhos. 

Dei um nome a ela. O nome mais belo que um dia tive o prazer de pronunciar pela primeira vez. E continuarei pronunciando até que a morte, sob a permissão do Senhor, me leve.

Feliz 2017. Principalmente para você, que confia.