sábado, 24 de dezembro de 2016

Saneamento Básico - O Rio de Rios Mortos

Precisamos falar sobre Saneamento Básico

Uau, já faz um tempinho que não venho aqui. Vejo que o reduto está infestado de poeira, as prateleiras estão com complexos emaranhados de teias de aranha e tem um cheiro de morfo invadindo minhas narinas que não posso pensar em mais nada além de: "Preciso tomar vergonha na cara!". E também contratar um caseiro - um mordomo com nome de lorde ou um elfo liberto com direitos trabalhistas devidamente respeitados. Apesar da bagunça, a visão antecipada de uma faxina empenhada já acalma esta ansiedade chata que me aporrinha sempre quando me julgo estagnado. 

Caraca, Matheus, do que você tá falando? Foi longe, hein! Deixa eu voltar ao ponto deste post. 

Nos últimos dois meses estive atrelado a uma árdua missão - junto com os colegas mais batutas que pude me aliar. A tarefa, requerida pela matéria de Sociologia na faculdade, foi produzir uma espécie de pseudo-documentário-reportagem jornalística que abordaria o tema "meio ambiente". Para isso, resolvemos mostrar a ligação entre saneamento básico e preservação ambiental como forma de discutir o tópico proposto e, ao mesmo tempo, apontarmos nossos arcos e flechas de produtores do audiovisual em direção a algo ligado ao cotidiano de qualquer cidade. O Saneamento Básico não é apenas um agente de infraestrutura numa cidade, é também uma questão ambiental, e ter tal serviço funcionando com eficiência é, de maneira bem direta, preservar a natureza de um lugar. 

Nasceu assim o projeto "O Rio de Rios Mortos", o qual foca nos problemas enfrentados nas regiões suburbanas da cidade do Rio de Janeiro com relação a tratamento de esgoto.

Enfim, deixo que assistam o vídeo e reflitam sobre o assunto:



Um muito obrigado a todos os meus colegaços: Su, Lih, Mayky e Jean; ao entrevistados: Rose, Jorge e Katia Regina; um valeu pro Vinicius também; e todos os outros que indiretamente tornaram a produção deste trabalho possível. Coraçõeszinhos para todos vocês!

***

Ah, é claro que houve também a produção de um vídeo só com os erros de gravação. Foi uma maneira de descontrair e registrar o processo de making of. Em nenhum momento foi nossa intenção tirar o peso e seriedade do tema abordado, por isso vídeo está a parte do original. Espero que gostem:


Bom, agora vou me concentrar na imensa faxina que me aguarda aqui. Sabe como é, né, poeiras não se limpam sozinhas. E sou pobre, não tenho dinheiro pra pagar mordomo. Mas quem sabe um dia?

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Isso Segundo Helena Müller

Helena Müller tem grande apreço por duas coisas: primeira, responder perguntas e segunda, seu nome. Por mais que seja difícil conceber, ambas as coisas se interligam, mas em um nível bastante profundo e pessoal jamais revelado. Como conseqüência direta de suas venerações íntimas, Helena tornou-se uma intelectual muito respeitada e de personalidade tão forte quanto o seu nome. Ela admite que um dia, quando nascera, já a nomearam de outra forma, mas que “no processo que me confeccionou ao sublime estágio de existência o qual me encontro, achei inadequado chamar-me daquilo quando deveria chamar-me disto. Então, o meu passado não me interessa e por isso peço que não me direcione mais esta pergunta”. A propósito, esta é a única pergunta que de fato não lhe agrada, pois, tirando isso, nada lhe proporciona mais prazer do que ser indagada. Adorável quando quer ser, simples quando acha necessidade em ser, e ríspida ao se encontrar em uma divagação, Müller não inicia nenhuma de suas respostas sem antes dizer: “E por que você quer obter esse conhecimento?”. No entanto, basta uma insistência convincente que a intelectual responde de bom grado, deixando sempre, após a resposta, a sua célebre advertência pairar sobre o interlocutor: “Agora só não me mate ninguém com este conhecimento!”.

Tivemos o prazer de encontrar esta figura icônica, obra de um esforço que, no fundo, pareceu-me muito acaso. Dissemos que precisávamos de uma resposta e tudo se sucedeu conforme já narrado. Precisávamos de uma definição básica do que viria a ser Literatura. Obviamente, ela implicou com o termo “básico”: “É de um absurdo tamanho que estou sendo tentada a considerá-los pessoas ignorantes. Mas estou rechaçando tal preconceito...”. Esclarecemos, com a voz emperrada como o discurso de um gago, que queríamos a definição para ser lida por adolescentes. “Nenhum conhecimento é básico, pois nem mesmo o desconhecimento é”, rebateu ela. Mas Helena Müller compreendeu a particularidade que requeríamos e atendeu ao nosso pedido. Uma pessoa extraordinária, ela é.

Segundo Helena Müller:

O ato de definir Literatura é uma tarefa difícil, quase impossível eu diria, tendo em conta que muitos estudiosos e intelectuais já intencionaram trazer uma definição definitiva para ela, uma que alcançasse todos os cantos deste vasto ambiente. No entanto, todo esforço para se chegar a uma conclusão unânime era, no final, suplantada por uma observação crítica, porque sempre faltava algum detalhe, e então voltávamos à estaca zero. Por isso fala-se mais sobre conceitos, e não definições; e aí a dinâmica muda completamente, porque cada conceito se complementa, adiciona mais camadas aos estudos e vai elucidando ainda mais o nosso entendimento para com a Literatura.

A palavra Literatura tem, em sua origem, ligação com a palavra littera, que quer dizer letra e, também, o conjunto de habilidades e conhecimentos para compor e ler um texto. Aliás, o material fundamental da Literatura é a letra. Portanto, usa-se o termo para designar uma obra de arte que tem como seu instrumento, e sua forma de se expressar, as palavras. Se fizéssemos um paralelo com a música, por exemplo, veríamos que esta tem o som como o seu instrumento de expressão. Literatura é a arte das letras. Se ainda estiver um pouco confuso para você, veja o que Aristóteles, filósofo da Grécia antiga, disse: “A Literatura é a imitação da realidade”, ou seja, isso quer dizer que o que vemos nas obras literárias são imitações (mimeses) do nosso mundo real, só que com algumas diferenças, como extrapolações lógicas, eventos extraordinários e distorções no espaço e/ou no tempo, coisas que não são possíveis no nosso mundo, apesar de sabermos que ele está repleto de surpresas que desafiam nossas concepções. No entanto, na Literatura, tudo isso é feito com o intuito narrativo, para provocar em nós, leitores, sentimentos e reflexões. O que é mais importante, porém, é sinalizar que para essa tarefa, o escritor faz uso de letras para nos imergir nessa “realidade paralela”. 

Contudo vale esclarecer uma coisa. Seria um equívoco falar que tudo aquilo que é composto por letras/palavras pode ser considerado Literatura (Arte). Não, não é isso, até porque para se discutir o que pode ser considerado arte ou não precisa de toda uma discussão mais profunda do que esta. Mas adianto, grosso modo, que arte precisa de um valor, uma significação e, também, comunicar algo de maneira estética. Mesmo assim, seja os livros do Harry Potter ou aquele poema que um aluno escreve para a matéria de produção de texto, ambos são Literatura – obviamente com seus valores diferentes.

O termo também é usado para denominar o conjunto de obras de um determinado país ou período histórico, pois a Literatura exprime bastante a característica e cultura de um determinado povo. Nesse sentido, quando falamos em Literatura Brasileira ou Inglesa, nos referimos às obras feitas nesses territórios, os quais possuem cada um seus próprios costumes e comportamentos. Por outro lado, quando falamos em Literatura Moderna, por exemplo, nos referimos à característica, uma tendência, de um determinado período na história da humanidade. 

Apresentados esses conceitos gerais, é possível ter um melhor vislumbre do que se trata Literatura e saber que estudá-la é um ato fundamental para se entender a nossa própria história como espécie – uma espécie singular em numerosos sentidos e que quando escreve suas palavras, exatamente o que ocorre na Literatura, é capaz de deixar um dos mais eficientes vestígios de sua passagem neste imensurável universo.

- Agora só não me vá matar alguém com este conhecimento! Trate de dizer isso a eles também.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Título Provisório

Decerto, há sempre uma coisa (uma não. Várias) que está (estão, meu caro) espalhada (DAS!) pelo meu PC, não importando qual canto seja. É batata você encontrar. Desde a franqueza do Desktop até os confins de uma pasta obscura dentro de outras dezenas de pastas igualmente esquisitas, apresentando avisos do tipo "não tem nada aqui" e "vírus" - alarme este que chega até dar um friozinho na barriga de quem fuxica. Não pelo medo de encontrar o tal vírus, mas, sim, de trombar com algum fetiche bizarro envolvendo bonecas de PVC.  E é óbvio que estou falando apenas de uma situação hipotética, claro... (verdade. O computador dele não tem vírus) - enfim! o ponto é que sempre haverá, em qualquer canto desse meu extenso baú virtual, eles: Os Projetos.

Quem olha assim, acha até que está diante de um computador importante, de onde sairá uma nova obra-prima do século XXI, quentinha para descacetar a arte como a conhecemos (oi?). A cada esquina tem uma ideia sendo trabalhada, um brainstorm sendo agitado, um organograma construído. São tantos projetos que imaginar o perecimento do HD que os armazena é quase uma blasfêmia (bate na madeira, abestado). Aliás, perguntar-se como alguém consegue se situar em meio a tantos documentos também é inevitável. Mas, claro, a resposta é direta: "um nível de percepção que poucos são capazes de atingir, bebê" (Na verdade eu ia perguntar como um PC pode travar tanto).

Projetos, projetos, projetos... estão chovendo sobre mim. Saca só como fervilham, fervilham, fervilham.... ah, é sublime ser criativo (olha lá. Tela azul!). Deixa os projetos jogarem, ô iaiá, é o que eu digo (sim, ele diz. Sério). Se tem uma coisa que não tenho medo é de criar. Steve Jobs já falou sobre isso, se não me falha a memória. É só pintar a ideia que aquele botão direito do mouse já estará sendo esmagado, prontamente, e um novo documento de texto aceitará, sem frescura, o que eu tenho para anotar, e assim a magia se desenvolve, com todo o esplendor de uma gênese.

As pessoas apreciam esse meu jeito; curtem a vista que proporciono a elas quando há aquela visita ao meu reduto eletrônico; ficam tão curiosas e com os olhinhos brilhando que às vezes até fazem merda (falei que não tinha vírus). Mas não há porquê me enraivecer, pois é o meu mundo que elas anseiam ver, precisam ver. Então, diante de tantas inovações e promessas de uma concretização agradável e entretenimentora (é sério?), essas mesmas pessoas disparam a MESMA bendita pergunta, sempre: E aí, quando é que veremos esse projeto pronto? (Exato. Tá aí algo que estava prestes a perguntar)...

(Fala aí, cara.


 
Olá? Responde a pergunta, diacho.

Ei, tem alguém aí ainda?!

...Eu não acredito. Só pode ser brincadeira.

Não é.

Se pelo menos esse maluco tivesse me terminado há seis anos, talvez pudesse finalizar isso aqui de uma maneira digna. Bom, o que resta é mostrar a tal vista. É bonita, admito. Há coisas interessantes no horizonte, como filmes, músicas, poemas, pinturas, épicos e... coisas que parecem sonhos, sabe?

Bem, vai ver ele deve ter tido alguma outra ideia e foi ali anotar. 

Deve ter sido isso, não é mesmo?

Não é?).

domingo, 2 de outubro de 2016

O Circundar de um Fogo

Heitor teria evitado a trilha de fumaça que se adensava à sua frente se não fosse esse tom de cinza que nos guia. Fazia tempo que ele se locomovia. Um tempo suficientemente longo para levar à cabeça de qualquer andarilho que pensar demais em planejamentos é, de forma não justa e indireta, planejar-se rumo ao imprevisível. E aconteceu assim com o bem instruído Heitor: o vislumbre de seus pés tomando o caminho da fumaça, pelo simples fato de ter se interessado pela personalidade e aparência que ela ostentava. A improbabilidade incitada o abraçava sem asfixiar e o levava com o mesmo zelo de uma mãe que auxilia os primeiros passos do filho. A rota, no entanto, tinha pouca coisa a ver com simbolismos poéticos e subjetividades, pois o seu cume era o fogo - o mais literal e cruel dos desfechos.

Quando o foco se revelou, Heitor estremeceu ao sentir seu coração embargar. Por um momento ele checou a respiração, porque só agora se preocupara com uma intoxicação. Mas os pulmões iam bem. Por fora, seu corpo estava infestado por bilhões de partículas negras, as quais foram afugentadas aos tapas - um esforço inútil, porém. Então ele se ateve em digerir toda aquela quantidade de informação, espiando por cima dos ombros na desconfiança de se descobrir dentro de um sonho. As chamas produziam crepitações que mais pareciam retumbos, a julgar pelo tamanho que apresentavam, tão altas e ferozes quanto um incêndio florestal deveria fazer. Troncos gemiam ao redor, ruídos penosos que assustaram o rapaz num primeiro instante, mas que depois tornaram-se imperceptíveis. Era um ambiente tomado por danos difíceis de serem freados, e Heitor soube disso desde o instante em que chegara. Ele olhou para o solo de relvas enegrecidas e rasgadas pelo fogo, e, desprovido de ensaios, rumou para os confins da desolação, com os olhos semi-cerrados por causa do calor que não o consumia. E desvanecendo-se para dentro daquele cenário, ele gentilmente acolheu a boa noite como um obediente sábio.

Mais adiante, no interior da conflagração, não fora possível distinguir as dicotomias que formam o mundo e, sim, apenas testemunhar os mistérios que lá povoam. Dentre os diversos, um se sobressaiu. Ele originava-se das copas e despencava para o chão: folhas e mais folhas, em brasa, formando uma extravagante chuva que bailava com as lambidas do fogo, e desfazia-se antes de completar seu trajeto. Um fenômeno simplesmente lindo para as retinas, o que neste caso se limitavam as pertencentes ao Heitor, que tinha mudado seu semblante para uma expressão que cambaleava entre o prazer e a estupefação. De repente, as folhagens casaram-se com o ritmo oriundo dos gemidos das árvores consumidas, numa poligamia intensa e exótica, compondo um espetáculo que jamais poderá ser repetido senão pela natureza. Houve uma harmonia orgânica invadindo o lugar e Heitor a ouviu com todo o seu coração. Isso tudo poderia durar uma vida inteira ou apenas um segundo que não iria fazer qualquer diferença para ele, pois dentro de si um clamor pairava: "O momento... o momento...".

O formidável fenômeno teve seu fim quando a chuva finalmente conseguiu tocar o solo ardente. Um vento suave soprou as folhas chamuscadas e as amontoou, como se estivesse varrendo. Heitor principiou algumas lágrimas que iam sendo evaporadas antes de alcançar as bochechas. Elas logo deixaram de ser produzidas quando um estrondo, proveniente da folhagem amontoada, o sobressaltou e arrepiou-lhe o cabelo crespo. A harmonia sucumbiu sob a hegemonia dos gemidos; e as chamas, sabe lá Deus como, ficaram ainda maiores. O rapaz espionou a vanguarda por entre as brechas da fumaça densa e sentiu sua respiração parar - não por causa do incêndio; não por causa de nenhum motivo que ele fosse capaz de conjecturar.

Ele avistara um corpo, mais precisamente um corpo de uma mulher, repousando sobre a relva consumida.

Ocorreu um momento de hesitação, custeado pelo pânico, que deixou Heitor imóvel e com seu consciente e subconsciente preso àquela imagem. Por outro lado, a indiferença da queimada quanto ao peso de tal cena, a fez, sem cerimônias, navalhar um tronco. Se não fosse o modo com o qual caíra, o robusto cilindro teria esmagado o corpo e confeccionado um patê de sangue, carne e ossos. Heitor manifestou sua preocupação no instante em que conseguiu despir-se da imobilidade e disparar em direção ao ser desamparado, enquanto as partículas negras desenhavam um rastro às suas costas. Ao chegar perto da moça, ele constatou que ela estava viva, fato que o aliviou e o espantou em igual dose. Ele agachou-se e a tomou pelos braços, como em uma pintura romancista; por um instante pensou que poderia protegê-la, que poderia salvá-la. Porém, quando no rosto daquele ser Heitor pousou os olhos, todo esse controle se extinguiu. Não lhe veio forças, apenas fogo e mais fogo... até que consumiu seu coração e cercou-os.

Um grito ensurdecedor irrompeu na floresta, quebrando as labaredas ao meio. Tinha sido Heitor que o produzira como consequência de uma dor insuportável. Ele gritava continuamente, como se a qualquer momento fosse cuspir suas tripas. As chamas encolhiam conforme o grito persistia. O rapaz, ao perceber que o seu bramido surtia efeito sobre elas, escolheu manter o urro estridente até que dissipassem-nas por completo. O esforço o enfraquecia e o vertiginava, mas mesmo assim, ele persistia urrando, como um terremoto vindo do oriente. As vistas, gradualmente, foram escurecendo por conta de tamanha sobrecarga ininterrupta, ao passo que as cordas vocais já sangravam. Testemunhando tal sacrifício suicida, a moça levou sua mão ao rosto dele, num toque macio em oposição àquela agressividade bondosa; e, de maneira repentina, o grito foi cessado. Heitor se indignou com o que ela acabara de fazer, e por isso ficou a encarando com um olhar impotente e encharcado de lágrimas. A moça não disse palavra alguma, pelo contrário, apenas devolveu o olhar; e pôs-se a acariciá-lo, como se estivesse limpando toda aquela sujeira e atenuando as veias dilatadas. Nos lábios, um sorriso tímido e triste, mas também detentor de uma satisfação, germinou. Heitor abanou a cabeça, arremessando as lágrimas ao ar. Mas ela continuou sorrindo. Então, após tanto fixar suas retinas naquela beleza simples, rara e verdadeira, o rapaz notou algo no âmago daquelas esferas castanhas, algo de cor quente e feroz que se misturava à formosura.

Um incêndio.

- Me perdoa - foi o que se ouviu e mais nada, senão a dor de uma floresta há muito atormentada.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Zero seis do zero sete


Hoje é um dia especial - pelos menos é assim que se denomina o dia do nosso aniversário, não é mesmo? Porém, acima de tudo, é um dia, mais um, e eu estou aqui, vivo. E é interessante pensar o quanto estamos expostos a qualquer sorte de experiência, boa ou ruim, exatamente por causa desta condição, por causa deste verbo: viver. Sou grato por isso, sou grato por poder envelhecer. Mais uma translação foi completada e uma nova primavera tá aí, fazendo com que todos os aspectos do último inverno virem lembranças, até que se percam na implacável neblina do tempo. Mas a real é que eu não quero esquecer. Eu quero levar comigo alguma coisa que me faça lembrar, nem que seja só aquele galho ali, sem nenhuma folha. Eu quero entrar na nova estação tendo equilíbrio entre as distinções que formam o todo, carregando tudo em igual medida, para que eu lembre de onde vim, para onde vou, por quem eu vou e para quê eu vou.

Portanto, neste dia especial agradeço a Deus por mais um ano de vida, muito obrigado mesmo. Agradeço a minha família, minha primeira e mais importante base. Agradeço aos meus amigos pelo carinho, amor e, sobretudo, paciência. Eu sou grato, eternamente. Para este aniversário eu peço além de saúde, felicidade, paz... eu peço perdão. O erro é inerente a mim e a ideia de ter ferido um coração é dolorosa demais para que eu continue sem pedir isso hoje e todos os dias, o perdão de Deus e o seu, o de todos vocês. Perdoem-me.

Quando criança, eu sempre torcia para que nada de errado ocorresse no mundo no dia do meu aniversário, que ninguém morresse, ninguém brigasse, ninguém chorasse, enfim, que tudo parecesse perfeito aos meus olhos - coisa de criança. Os pesos dos anos foram destroçando minha inocência, mas mesmo assim eu vou lhe desejar este tipo de dia para você, exatamente este tipo de dia absurdamente ingênuo e apetitoso, pois eu amo vocês e isso nenhum dia "chato" irá mudar.

É, 23 parece um ótimo número pra mim.

No momento, é o melhor número que eu poderia ter.

Obrigado e feliz aniversário pra mim.

domingo, 26 de junho de 2016

A Minha Parte Que é Didática

Sabe aquela hora que você precisa despir-se de toda vergonha pra poder passar na matéria da faculdade? Pois bem, esse vídeo é a materialização de tal aterrorizante ato, o qual alguns costumam nomear "cara de pau" mesmo. Então, minhas amigas e eu entramos com a cara de pau, com a cara de carne e a coragem. Tudo pelo um dez na Ana Paula. Era preciso falar em inglês somente? Falamos. Era preciso fazer esforço máximo para não parecer político ao ler as falas enquanto filmávamos? Fizemos. Era preciso um pouco de maluquice para fazer o vídeo parecer engraçado e didático sem perder o fio da meada? Bem, isso nós tentamos e esparamos que tenha sido este o resultado final. Phrasal Verbs é o foco, mas você pode se distrair um pouco com algumas doideras. Não nos leve a mal, estávamos nervosos, ensinando inglês e se divertindo, TUDO AO MESMO TEMPO.

(Legenda disponível)


quinta-feira, 2 de junho de 2016

Mr. Robot - My Brain Has Been Hacked

Esses são alguns comentários sobre a primeira temporada de Mr. Robot.



Elliot Alderson é um jovem programador que, em decorrência de alguns traumas do passado, sofre de uma desordem que o torna anti-social. Durante o dia, ele leva uma vida medíocre como técnico de segurança virtual na AllSafe Cybersecurity e, durante a noite, ele é um hacker vigilante. Elliot se vê numa encruzilhada quando o líder de um misterioso grupo de hackers, Mr. Robot, o recruta para destruir a firma que ele é pago para proteger, a Evil Corp. Motivado pelas suas crenças pessoais, ele luta para resistir à chance de destruir os CEOs da grande corporação que ele acredita estar controlando - e destruindo - o mundo.

Criada por Sam Esmail e com elenco de Rami Malek, Christian Slater, Martin Wallström, Carly Chaikin e Portia Doubleday. Exibição nos EUA por conta da USA Network e no Brasil, Canal Space.

Mr. Robot certamente foi uma das mais interessantes, e instigantes, surpresas apresentadas na TV em 2015. Portada de uma identidade cinematográfica que traz personalidade ao programa, é possível sentir-se dominado pela atmosfera da série logo em seus primeiros minutos, o que é potencializado pela montagem que acompanha a paranóia e ansiedade de seu protagonista. Outro ponto que reforça tal imediatismo na imersão é a qualidade vinda do roteiro, que constrói personagens tridimensionais e uma trama que não se preocupa em ser traiçoeira com o espectador, em outras palavras: Não tem um pingo de arrependimento de suas rasteiras aplicadas em nós.

Elliot é um jovem estranho. Essa estranheza de longe é algo inédito na TV, tendo em vista que é comum atribuir a uma pessoa de seu tipo - dependente químico, introspectivo e impenetrável - o caráter de genialidade. De fato, Elliot é um rapaz genial, sua inteligência é notável, sobretudo quando se trata de sistemas de informação - engenharia de sistemas, melhor dizendo. E isso é importantíssimo para a história. Ele faz uso de suas habilidades para praticar o vigilantismo cibernético e denunciar criminosos como pedófilos ou traficantes, o que é um ponto que entra em conflito com o seu desinteresse em relacionar-se com as pessoas - e nesse caso, o problema que Elliot tem com contatos e abraços se mostra como uma forte representação desse distanciamento intencional -, porque mesmo sendo assim, ele ainda acredita que de alguma forma pode salvar o mundo e proteger as pessoas.

No entanto, é uma proteção ao seu modo. E esse modo o qual encontrou para proteger e se aproximar das pessoas não é lícito, pois ele as hackeia para conhecê-las, construindo um acervo de dados pertencente a cada pessoa. Ninguém escapa desse processo, nem mesmo os amigos mais próximos, os quais são poucos. É uma aproximação totalmente artificial e assimétrica, uma invasão pessoal onde segredos são transparecidos e a vulnerabilidade é aumentada. De sua boca sai um discurso de ódio em relação ao rumo que a sociedade vem tomando, porém é nítido perceber que em sua concepção, nós, pessoas comuns, somos vítimas. As vítimas de uma ínfima porcentagem de indivíduos que controlam todo o mundo, exclusivamente de acordo com os seus interesses econômicos.

A série tem uma narração em Voice-over que quebra a quarta parede. Nela, Elliot tenta desenvolver uma certa amizade e cumplicidade com o espectador, mesmo considerando, desde o começo, a artificialidade da mesma: "Talvez eu devesse te dar um nome. Mas pra quê? Você só existe na minha cabeça. Não podemos esquecer disso. Merda, eu realmente estou falando com uma pessoa imaginária" (Mr. Robot S01E01). Não há um tratamento desdenhoso por parte de Elliot para com o seu amigo imaginário, muito pelo contrário. Contudo, a tentativa de edificar a cumplicidade é constantemente embaçada pela desconfiança. Elliot sofre de paranóia e sua mente é perturbada pelos fantasmas do passado, por projeções de seguidores que nem ao menos sabemos se existem realmente. Esse mar de confusões psicológicas faz com que ele desconfie de todos, inclusive de nós, observadores. É uma relação instável a todo momento.

De volta ao plot central, Elliot conhece Mr. Robot - interpretado de maneira surpreendente por Christian Slater -, uma figura que, ao testemunhar o potencial do jovem engenheiro, lhe oferecesse a chance de fazer parte de uma equipe de hackers, a FSociety, e protagonizar uma arrebatadora "Revolução Global". O corpo de membros do time, diga-se de passagem, é composto por figuras caricatas: um gordo, um negro, uma menina com atitude, um velho, um esquisito/maluco e uma árabe - sendo esta a figura que mais me pegou de surpresa, só foi uma pena vê-la tão pouco desenvolvida, e envolvida, dentro da trama, pelo menos nesta primeira temporada.

A tal revolução prometida diz respeito a Evil Corp, corporação ficcional que é detentora majoritária de diversos mercados no mundo, desde os de bens de consumo até os de crédito e finanças, acentuando, aliás, algo muito recorrente em narrativas de Cyberpunk: a dominação mundial por parte de gigantescos conglomerados. O objetivo da FSociety é derrubar a corporação e instaurar um reboliço, que segundo eles, libertará o mundo, as pessoas comuns, das amarras impostas a nós sem qualquer consentimento. Para isso, Elliot é a peça fundamental da conspiração, já que ele é pago para proteger a corporação através de seu emprego regular. A propósito, a Evil Corp foi a responsável pela morte precoce de seu pai, Edward Alderson, morte esta ocorrida devido a negligência e ganância vinda por parte de seus administradores.

Em termos de cinematografia, Mr. Robot apresenta uma identidade visual que se comporta de maneira "rebelde" durante toda a temporada. Chega a ser engraçado observar como a rebeldia exercida gerou inúmeros tópicos de discussões na internet, com alguns defendendo e outros condenando ou lamentando a atitude dos responsáveis. Pois bem, expliquemos essa rebeldia: Há em Mr. Robot frequentes "quebras" de composição e incessantes desobediências à regra dos 180º. Sendo mais claro, os planos, e as cenas como um todo, são compostos de forma incomum, onde os personagens, quando em uma conversa, por exemplo, são postos com espaços abusivamente sufocantes à frente, não havendo a rotineira rima visual e espacial em que cada personagem ocupa uma extremidade do campo, dando assim, a sensação de proximidade e face a face. Também há na composição o arranjo dos personagens em diminutos pontos de intersecção das regras dos terços, conferindo excessivo espaço vazio acima da cabeça e em outras partes do quadro. Visualmente, essas decisões acabam expressando a perturbação de seus personagens e a vulnerabilidade deles, pois parecem ser afogados pelo ambiente que os cercam. Tetos, por exemplo, são constantemente mostrados e a profundidade de campo limitada ajuda a exercer tal impressão. Mas vale salientar que em certos momentos a "desordem" visual empregada distrai a atenção, exatamente por ser difícil de ignorar o seu uso. É como se ela gritasse: "Ei, estou aqui! Olhe!", o que culmina em uma distração desnecessária. Mesmo assim, tem uma cena em especial, com Elliot e sua psiquiatra, Krista, em que é feita uma construção visual esplendorosa, onde há uma gradativa inversão da figura de Elliot na cena, de dominado para dominador. É de descassetar a mente.

Estruturalmente, além do já mencionado Voice Over, a série faz uso de meios como flashbacks, alucinações e situações hipotéticas. Não para ser redundante e preguiçosa, mas para esmiuçar a vida e a mente de seu protagonista. A propósito, o foco da narrativa é este. O plano da FSociety - grupo que muito nos lembra os Anonymous - é relevante, sim; inteligente e incrível também, pois as missões para seu avanço fazem parecer as quests de um Video Game - daqueles que possuem infiltrações na surdina. Porém, o enredo claramente se enverga para falar sobre um jovem solitário, dependente químico, negligente em relações e traumatizado pelo passado, principalmente a perda de seu pai e as péssimas lembranças com sua desprezível mãe. Elliot é uma personagem trágica, sua fisionomia transparece a perturbação psicológica e a angústia de estar preso em farsas. E por causa do cuidadoso trabalho de escrita, o que acabamos por testemunhar é um avalanche de reviravoltas que aumenta o nosso interesse a cada instante, fazendo-nos relevar alguns momentos medianos. As revelações são extraordinárias e explicitam a inteligência da história.

No que diz respeito as atuações, é preciso destacar o trabalho de Christian Slater como Mr. Robot e de Martin Wallström como Tyrell Wellick. Ambos representam pontos de destaque na temporada, os quais sustentam uma química interessantíssima com o protagonista. Mas é o magnetismo de Rami Malek que mais impressiona. Em uma entrega total a natureza de sua personagem, Rami constrói um Elliot paranóico e vulnerável a emoções intensas, apesar de sua frieza característica. A timidez e o olhar esbugalhado e vidrado são resultados adquiridos durante a decadência emocional e psíquica. A persistência no uso do casaco preto, por exemplo, pode ser compreendida como um dos traços de seu distanciamento intencional. Com certeza, este é o ponto alto de sua carreira, o que é muito justo.

Assistir Mr. Robot foi uma experiência incrível. É uma série que ainda nos reserva inúmeras surpresas e respostas para as pontas deixadas soltas ao final da temporada. Uma série autêntica e instigante, uma lição de Storytelling com certeza. A inteligência do roteiro e a tridimensionalidade de seu desenvolvimento, o que pode flertar com discursos de cunho social e político, tornam a série uma janela para o nosso atual rumo como sociedade. Elliot estaria decepcionado com a gente. Portanto, não é apenas "maneiro" assistir Mr. Robot. 

É importante.

Assistam.

sábado, 28 de maio de 2016

O Paradoxo

Ela e ele estavam no fim corredor. Bem, talvez não fosse o fim exatamente, levando em conta a figura de uma escada sob uma débil iluminação, situada logo além deles. Aquilo muito bem poderia ser o começo do corredor, aquilo muito bem poderia ser eles, dentro daquela escuridão conveniente e longe dos olhares dos quais fugiam. Na prática, essa ideia não havia passado na cabeça dele, ela, porém, achou que sim, então ele passou a achar que sim, ele quis que sim, quis que ocorresse. Mesmo contra a vontade unânime de seus corações, eles escolheram o fim ao invés do começo, e portanto pararam em uma porta. Por simplesmente ser quase impossível fazer o que ansiavam, escolheram a luz.

O percurso até lá, em si, nascera encharcado de cautela e preocupações, já que ele tinha diversos significados, especialmente os ligados ao desejo de fuga. Muito mal sabiam eles que a liberdade jamais brilharia de forma habitual, e com o preço habitual. Estavam aprisionados e para sempre seria assim. Foi por isso que, como em todas as outras vezes, pararam naquela porta e não foram além, pois além havia a escada, a escuridão e a excitação, e as correntes não permitiam tal banquete. Entretanto, apesar de todo o cuidado, os olhares julgadores ainda corriam eufóricos ao derredor, invisíveis e astutos. Ela tentava pegá-los, pelo simples prazer de ser capaz de percebê-los e prová-los errados; Ele, por outro lado, os ignorava, não porque era a melhor opção, mas porque era a menos dolorosa. 

Sim, ela e ele estavam no fim do corredor. Sim, ela e ele pararam onde poderiam ser vistos, pararam em uma porta. Pela sorte de olhos não serem capazes de ouvir, eles agora tinham privacidade, por menor que fosse, para conversarem sobre os infinitos obstáculos que os impedem de obter um contato mais genuíno. Obstáculos, esses, que são capazes de se materializar em qualquer coisa, até mesmo em uma porta. Sim, eu disse que ela e ele haviam parado em uma porta, não disse? Porém, mais parecia que tinha sido a porta que escolhera parar ali, justamente entre os dois. A dura verdade é que aquela porta sempre esteve lá, muito antes deles desconfiarem da existência um do outro, quiçá antes mesmo de ambos terem nascido. Mas se torna divertido, por vezes, pensarmos nesse tipo de simbolismo: No meio do caminho tinha uma porta, tinha uma porta no meio do caminho - e antes fosse só uma pedra. Eles não percebiam o que aquela porta representava no momento, provavelmente distraídos pela insistente procura por respostas que explicassem toda a situação, um esforço quase inútil. Dúvidas mais nasciam do que morriam e, durante esse ciclo, sem o querer das partes envolvidas, a porta ia se expandindo entre eles. Dentro da abertura existia uma força física que empurrava de volta ao lugar adequado aquele que tentasse ignorar as regras, desconsiderar as dificuldades. A força tinha diferentes faces, a face de uma proibição, uma culpa, uma vida antecedente; a face de um medo, um princípio, um eclipse. Para uma pessoa comum, era apenas uma porta com uma sala vazia, para eles, não. Era um tudo vestido de nada, assim como um começo vestido de fim.

Tão perto e tão longe, eles conversaram, cumprindo o rotineiro parto de dúvidas. Mas a angústia valia a pena, porque apreciavam a companhia um do outro. Trata-se de uma história triste, muito triste, mas também valia a pena, porque apreciavam o olhar e o sorriso um do outro. Os pensamentos são sempre mais rápidos que as palavras. Eles sempre atropelam tudo, inclusive as diversas faces de uma força inibidora. Embora exista o partir dos corações, tais momentos servem para tentar remendá-los, enquanto continuam a quebrarem-se, selando um completo paradoxo. 

O tempo voou na velocidade dos pensamentos e, quando ela e ele deram por si, já era tempo de ir. A porta cumpriu sua função com sucesso. Ainda restava muito o que dizer e fazer. Mas para quê, afinal? Eles bem conheciam a gravidade de suas ações concretas e hipotéticas. Além do mais, algumas poucas coisas merecem o campo do subentendido para que haja certa magia. Logo, conforme foram se afastando da porta, a mesma retornava ao seu aspecto anterior, o de simplesmente ser uma fenda em uma parede, nada mais. Os olhares aquietaram-se e retomaram o humor padrão. A luz que se ausentara da escada por todo aquele intervalo de tempo, voltou a resplandecer os degraus. Parecia que não, mas tudo estava recobrando a normalidade. Eles chegaram ali juntos. Eles foram embora separados. Não podiam bobear, com certeza a essência do obstáculo deixou aquela porta para poder possuir qualquer outra coisa.

A questão é quanto mais ela e ele se afastam, mais eles se atraem. Essa, aliás, é a parte mais triste deles. A parte da divisão do coração com a contradição dos atos. Quem sabe um dia alguém explique isso... Explique ela e ele.

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Mãe É Tudo Assim

Ainda no mês de comemoração do Dia das Mães, posto aqui uma homenagem, em forma de poema, que foi encomendada pela minha abiguinha Su para ser recitada por crianças as quais, bem provavelmente, são amadas o suficiente por suas mães, esses seres de bondade inefável, para ouvirem isso e ainda manifestarem uma satisfação na face. Okay, parei com a auto-depreciação. Mas ó, se vale comentar, teve carinho no processo. Garanto. 


Mãe é tudo assim

Plunct Plact Bum!
- Menino, o que houve desta vez?
Mamãe é sempre assim, surge de lugar algum
Perguntando o que o filho fez.

Porque mãe é presença.
Mãe é atenção.
Mãe faz diferença
Ainda mais na repreensão:
- Não faça isso! Saia daí agora!
Essas palavras ressoam
Enquanto minha alma revigora.

Dos dois sóis que me receberam quando nasci,
Mãe é o mais radiante deles.
A estrela de braços macios onde dormi.
E que dentre seus vários deveres,
Faz do amor incondicional seu título de mártir.

- Meu filho vai ter nome de santo.
Mas santo arteiro.
Já olhou pra esse rostinho?
Isso vai fazer bagunça o dia inteiro!

Plunct Plact Bum!
Não tem como ir pra lugar nenhum.
Eu não quero e nem dá,
Porque mãe e longe nunca deveriam combinar.

Como arroz e feijão, quero ter-te pertinho pra sempre
Com o seu carinho aquecendo meu coração
E o seu olhar por minha frente
Protegendo-me de qualquer vilão.

Tu és minha heroína
Dotada de sentidos extraordinários.
Pode juntar todos os Vingadores
E ninguém ali ainda será páreo.

A minha mãe é a razão do meu viver
Presente perfeito de Deus pra se ter.
Mãe, palavra curta de dizer
Mas é igual céu, faz o infinito nela caber.

Mãe, como eu te amo
Eu não sei viver sem ti
Por isso alegre declamo:
Obrigado por existir.

***

Obrigado, Suelem, por me proporcionar essas chances de poder fazer meus textos saírem de outras bocas além da minha. Receba os meus mais sinceros agredicementos.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Suburbiando

A sirene mais uma vez soou.
Embarco no ardor do trem que leva-me de volta
Ao estilo limo com rodas de ferro,
Sob um estridente elo que amontoa esta gaiola.
O rush do fim da tarde nos alcançou.

Por aqui, muitos cruzarão até cidades.
Pelo caminho, um degradê distinguirá as realidades
Com muros pichados, favelas, pobreza,
Becos, vielas e sorrisos em meio a dureza.

Os abastados nos tratam súditos
Por sermos limitados a bens implícitos
Retidos em oculto ramal e distante;
Vindos de um nascedouro caótico, brabo e coadjuvante.

Somos muitos, vivemos nos arredores
De uma cidade com duvidosos intuitos,
Mas a nossa esperança nunca dorme - Ela madruga,
Pois seu trajeto dura horas - Dura vida
De despertar pré-matinal que não mais a intimida.

És tu a bela flor de abril, cuja tua excelência ruiu;
És tão juvenil quanto não gentil;
Campeã viril na lei do funil:
Viva a pátria Brasil.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Espere um instantinho, Calixto, Deus foi almoçar

Tendo se deixado levar pelo fluxo venenoso da rotina, Calixto assistiu sua vida perder o rumo. O casamento ficou no meio do caminho, a casa inundou-se de poeira e lembranças cada vez mais melancólicas, e o pequeno fruto dessa união fracassada, distanciado. Gradativamente, com um perigoso vigor, a vida desse homem mergulha em um oceano de caos. É como se quem devesse manter a ordem do mundo estivesse se ausentado; se retirado por tempo suficiente para que tudo saísse dos trilhos, como se Deus tivesse saído para almoçar.



O escritor paulista, Ferréz, conduz com um jeito incomum - pelo menos para mim - a crescente desgraça de Calixto nesta obra de voz pessimista. As abruptas alterações entre narrações em primeira e terceira pessoa, a ausência de marcações para diálogos e as compridas orações, por vezes compondo um parágrafo inteiro, são representações condizentes com o caos que o protagonista se encontra. 

Calixto é um homem que enfrenta a crise da meia idade, enquanto organiza de forma pragmática um arquivo de documentos, seu emprego. Praticamente solitário, ele dispõe-se apenas de uma verdadeira amizade, Lourival, uma espécie de alter ego do próprio autor. O resto se resume em relações obrigatórias e fatigosas, frustrações em fugas sexuais, uma velada paixão por uma vizinha lavadora de calçada e as lembranças de seu passado. Um personagem incapaz de distinguir um dia do outro.

O ritmo da leitura torna-se feroz devido aos breves parágrafos e capítulos, conduzidos por uma ágil escrita de Ferréz, repleta de reflexões existencialistas e uma melancolia infecciosa. Essa agilidade, aliás, acaba por dar à obra uma roupagem interessante, como se tudo fosse um amontoado de pequenos retratos, um compilado de eventos que se aprofunda, sem qualquer censura, na caótica vida de Calixto - e também um pouco na vida do amigo, Lourival. São olhares para o passado e presente, incumbindo o leitor de realizar as comparações e julgar a postura do personagem, que em nenhum momento se mostra digno da alcunha de bom Samaritano, ou pobrezinho. O futuro também passa a ter o seu esboço traçado, pois conforme a trama e a obscuridade avançam, é brotada uma preocupação quanto ao desfecho de tudo, em como será o meio para alcançar o tão distante alívio.

A ambientação da trama também carrega uma significativa relevância para mostrar a asfixia existencial de Calixto. Situada no subúrbio, os lugares presentes na obra ganham uma monotonia intencionalmente desinteressante e antipática. Isso se contrapõe nos momentos de lembranças do passado, onde havia família e esperança. No entanto, é nítido perceber o gradual desgaste do otimismo. Por outro lado, a repetição dos locais acentua o aspecto de rotina, como o lavar constante de uma calçada que nunca de fato fica limpo, ou o pragmatismo de um serviço de arquivar documentos. E também são testemunhados motéis decrépitos, putas horrendas e um sexo fracassado que te escandaliza. Não há qualquer local na trama que ofereça conforto, apenas opressão, como se do piso ao teto, do asfalto ao céu, houvesse um metro de distância.
Além disso, acho que não seria absurdo algum levantar um paralelo, que de nada tem o intuito de comparar, entenda bem, mas de pôr numa mesma prateleira, se posso assim dizer, esta obra e o filme Clube da Luta (1999), dirigido por David Fincher e estrelado por Brad Pitt e Edward Norton. Isso, sobretudo, por causa do personagem Lourival, amigo de Calixto, que se apresenta como um indivíduo compulsivo em acumular bens, principalmente os ligados à cultura pop, como action figures, filmes, CDs, jogos etc. Suas buscas para completar uma coleção têm a dinâmica de uma caça ao tesouro, onde a recompensa é superficial e o prazer, passageiro. Afinal, a felicidade jamais oferece-lhe a face, as coleções aglomeram-se em sua casa, precária, e o grande propósito dado à vida dele age como um ingrato soberbo. E quando o filme de 1999 põe em discussão a superficialidade de uma geração que baseia sua vida na filosofia "pra ser eu tenho que ter", e quando se percebe traída pela busca da felicidade e a satisfação plena, entrega-se a propósitos e organizações radicais, como um clube de lutas clandestinas. Lourival não entra pra nenhuma seita ou sai na porrada com ninguém, mas no final ele toma um caminho que muito decepciona Calixto.
Portanto, Deus foi almoçar é um trabalho de tocante e corajosa escrita. Apesar da chatice que às vezes é encarar a personalidade de seu protagonista, a obra tem seus méritos em nos oferecer uma experiência fora do convencional e, mesmo assim, ainda conseguir nos comover com eficiência. Não é uma história alegre, mas com certeza uma experiência reflexiva. Eu recomendo.

quinta-feira, 24 de março de 2016

O Nome do Vento - Um Exemplo de Maestria no Ofício do Storytelling

Escrito pelo norte-americano Patrick Rothfuss e lançado no Brasil em 2009, O Nome do Vento faz parte de "A Crônica do Matador do Rei", sendo este o primeiro volume de uma trilogia (ainda não selada).

Kvothe e seu fiel alaúde, com a Universidade ao fundo.

O enredo conta a vida e os mais diversos feitos de Kvothe, um sujeito cujo seu nome apenas traz à tona inúmeras lendas. A história é relatada pelo próprio personagem principal para um cronista transformá-la em um livro, com a condição incorruptível de não censurar coisa alguma. Gradativamente, os diversos equívocos envolvendo a figura de Kvothe vão sendo desmascarados, apresentando uma vida sofrida, perigosa e musical, e ao mesmo tempo, revelando um homem brilhante, ambíguo e calculista. Três dias são suficientes para contar tudo. Eis então, o primeiro dos três: O Nome do Vento. O Primeiro Dia.

Quem me conhece, com certeza esteve em alguma situação a qual eu citei esse livro. Por incontáveis jeitos ele foi significativo para mim, mas o que mais se destacou foi a riqueza e a beleza na escrita do Patrick Rothfuss. Em seu livro de estréia, Rothfuss consegue entregar um romance de fantasia num excepcional êxito do ofício de Storytelling. Ele mexe com camadas complexas e uma estrutura detentora de armadilhas cruéis a qualquer estreante, trabalhando com vários personagens ao longo do plot, sem demonstrar insegurança ou perda do controle de sua narrativa.

As decisões de Rothfuss se mostram conscientes. Sua paciência no trabalho de desenvolvimento é fria e calculista, assim como Kvothe. Isso é denunciado muitas vezes ao longo das páginas. A voz do narrador, por exemplo, é dividida entre Interlúdios, compostos por uma voz em terceira pessoa, e os relatos de Kvothe para o Cronista, em primeira pessoa. Isso faz com que o texto não perca fôlego e, como demonstração de não ser simplesmente uma decisão avulsa, Patrick também extrai dessa estrutura certos cortes dramáticos ou insights que prendem a atenção do leitor.

Tratando-se de história, as páginas deste primeiro volume realizam uma trilha minuciosa através da vida de Kvothe, como a infância sendo membro de uma trupe e muito bem amado pela família e amigos. Logo depois, passa pelo sofrimento inerente à perda de entes queridos. E por fim, a sua escalada penosa para conseguir, ainda na adolescência, ingressar na Universidade e se manter nela com quase nenhum tostão no bolso. Durante o desenvolvimento, os infortúnios, as descobertas e reviravoltas vão enriquecendo as características desse mundo fantástico e sustentando a vontade de virar as páginas. Os mistérios do Chandriano, a arte da nomeação ou a relevância da música para desenvolver a obra - seja nas tradicionais cantigas ou em pontos mais sutis -, são alguns desses sustentadores. Aliás, o papel da música nesta obra é belo e de uma eficiência sensorial incrível. Ela não apenas trata a habilidade de Kvothe com o seu fiel alaúde como um mero detalhe em sua ficha, mas também como um fio condutor da trama. Desse fato saem situações narrativas simplesmente mágicas, como a apresentação de Kvothe na Eólica, que foi uma experiência singular - posso jurar que ouvi cada acorde daquela música.

Deve-se reintegrar, então, a qualidade da prosa. Seja Kvothe, seja Patrick, há uma riqueza poética empregada na obra. O texto se permite um olhar pessoal e, às vezes, até filosófico sobre os conflitos e conquistas do personagem. Isso é reforçado pelo fato de Kvothe, no tempo em que narra sua vida, ter escolhido se tornar num homem mergulhado na mediocridade. Portanto, sendo agora um mero dono de uma estalagem quase deserta, situada num local em que as coisas vão devagar por quase se tratar de dom, ele procura esquecer-se do seu antigo eu. Mas por trás dessa casca fatigada existe uma história de conquistas e feitos extraordinários. 

O mundo d'A Crônica do Matador do Rei, assim como qualquer universo ficcional bem elaborado, é composto de regras rígidas, sobretudo no que concerne ao uso de sua magia. E ao invés de levar essa tradicional denominação ao pé da letra, ou seja, "é magia porque é magia", aqui testemunhamos ela com múltiplos nomes e finalidades, como "Simpatia", "Nomeação" e "Siglística", cada uma com suas regras e metodologias de estudo e dominação. A "magia" em si, se comporta de maneira custosa para com o seu invocador, requerendo métodos e materiais que cobram preços físicos, monetários e mentais. Se torna evidente perceber a ampla pesquisa realizada pelo autor para criar essas regras, exatamente para embasar as verossimilhanças, por mais que ainda remotas, com as ciências do nosso mundo, como a física, medicina, química etc.

O ofício da nomeação se destaca por apresentar um conceito fantástico que parte de uma ideia simples, mas que carrega uma interessante finalidade. Não é de meu agrado estragar surpresas, mas saiba que as coisas, como os elementos, por exemplo, possuem seus nomes. Nomes verdadeiros, não os que nós demos à elas. Se o arcanista souber e for capaz de aprender esse nome real, ele consegue usar tal coisa ao seu favor. Então, aquele que souber o nome do vento, saberá controlá-lo.

Há naturais comparações, e outras um tanto quanto equivocadas, dessa série com a criada por J. K. Rowling, Harry Potter, a qual sou fã também. E de fato existem, sim, semelhanças entre as duas séries, porém, o que as diferem sistematicamente são as suas abordagens. Seria limitado de minha parte resumir as diferenças, dizendo que A Crônica do Matador de Rei é "um Harry Potter para adultos". Todavia, no fundo me pego imaginando o quanto seriam diferentes as minhas lembranças de Hogwarts, se certas coisas recorrentes na Universidade acontecessem com o Harry. Talvez seja por isso que cunharam esse termo. Porém, são nítidos os momentos em que O Nome do Vento se distancia por completo de Harry Potter, fazendo isso com a segurança de um sábio ancião.

Já em outro cenário, existe uma tonelada de comparações e disputas da série de Patrick Rothfuss com As Crônicas de Gelo e Fogo, de George R. R. Martin. Mas tal disputa é um equívoco ainda mais descabido. Além do mais, o respeito e o tratamento de "sou fã desse cara" é mútuo entre os dois.

O Nome do Vento possui seus próprios méritos. É um trabalho instigante e belo, com todas as doses que uma aventura de fantasia pode proporcionar. Estou pronto para embarcar no segundo dia de relatos de Kvothe, ansioso para descobrir mais sobre este grande personagem. Deixo aqui minha recomendação. 

Nota importante: Não tente chamar o nome do vento se não estiver devidamente preparado para isso. Você pode cair duro no chão enquanto é aprisionado no mais fundo calabouço da sua mente e, na melhor das hipóteses, morrer. Fique avisado.

Interlúdio - Tudo é Questão de Momento

Para uma boa história o que mais se deseja é que ela seja passada adiante. A experiência precisa ser vivenciada pelo máximo de pessoas possível. O desejo ocorre durante a leitura e se intensifica após o término. Você quer conversar sobre ela, discutir sobre ela, especular sobre ela e qualquer outra coisa que sirva de motivo para poder revisitá-la. Simplesmente, é impossível resistir aos encantos.

Mas o que sobra para uma história que é além de "boa"? 

Até porque as vontades que sucedem a boa história são as mesmas da história que vai além.

O que sobra para marcar, então? 

Talvez a culpa seja da exatidão de seu momento, porque a história que é boa vem por inúmeras maneiras. Mas apenas a história que vai além vem por uma única, a mais certa e a mais oportuna. Uma razão só sua. 

E aí, não basta dizer só "bom", pois não se trata mais de qualidade técnica e/ou narrativa. Se trata de um valor pessoal alcançado por um contato íntimo e uma comunicação sem curvaturas. É algo mais. Sempre mais.

domingo, 13 de março de 2016

The Last Kingdom 1ª Temporada - O Destino é Tudo

Ao término da temporada de estréia da série inglesa The Last Kingdom, minhas palavras me pediram permissão para formular algumas observações sobre esta adaptação audiovisual da obra de Bernard Cornwell. Um pedido nada irritante, veja bem. Elas me abordadaram armadas com alguns gracejos e exalavam uma coerência respeitosa. Nada de obsceno. Além do mais, o termo "minhas palavras" pode ser entendido como "minha opinião", ou melhor, "meus comentários". Essa vontade de comentar costuma ser sentida quando nos deparamos com obras bem-feitas. 

Então não terei a audácia de não conceder a oportunidade.



Pode-se dizer que estamos presenciando nos meios de séries televisivas (principalmente) uma produção crescente de shows com a temática Medieval. É claro que é simplório empacotar tudo dentro da caixa "Idade Média", já que não parece nem um pouco preciso, levando em conta que muito dos pivôs desse cenário carregam mais as características da Fantasia, que não necessariamente precisa seguir todas as regras do Medievalismo, apresentando aspectos de outras épocas históricas também. Assim como aqueles que apresentam os aspectos genuínos do Medieval podem não trazer nenhum dragão ou criatura mitológica consigo...

Enfim!

Isso não vem ao caso agora. O que eu intencionava dizer era que o sucesso de séries, como Spartacus, Roma, Vikings e, obviamente, Game of Thrones, fagulharam nos produtores das grandes emissoras uma vontade de investir no gênero. Além do sucesso, o que todos esses trabalhos tem em comum é a representação dos comportamentos do ser humano numa época longínqua, onde a religião e o sobrenatural eram mais temidos e vivenciados; terras e aliados eram bens essenciais de sobrevivência; a honra, um dever de vida; os posicionamentos dentro da sociedade, decididos antes mesmo do nascimento. Tendo magia ou não; tendo dragões ou não. O gênero se tornou em um seguro investimento.

Seguindo a caravana do sucesso, consigo pensar em duas séries recentes lançadas no ano passado: The Shannara Chronicles (ainda escreverei sobre) e The Last Kingdom

Baseado nas Crônicas Saxônicas de Bernard Cornwell, produzida e exibida pelo canal BBC e com os toques dos produtores da série de Downton Abbey, O Último Reino narra a trajetória de Uhtred, um rapaz divido pelos rumos de seu destino, em uma Inglaterra ainda não nascida, palco de constantes invasões vikings e, é claro, em guerra.

Não que fosse indispensável revelar isso, mas eu jamais li As Crônicas Saxônicas. Já li Cornwell, sim, e digo que ele é um escritor de romances históricos sem igual. De suas histórias, certos itens se destacam, como a sobriedade das regras do universo narrativo, as minuciosas pesquisas e descrições, as reviravoltas e as paredes de escudos (uma imersão que nos drena o fôlego). O resultado em tela se mostra esforçado em manter-se fiel ao estilo do autor. No entanto, o que se transfigura de forma verossímil para a telinha mesmo, é um outro ponto também interessante e não menos relevante, que é: O temperamento de seu protagonista.

A interpretação de Uhtred ficou a cargo de Alexander Draymon, enquanto os breves eventos da infância dele ficaram com o Tom Taylor. São composições distintas, pois a mais jovem teve de se preocupar em explanar as canduras de um menino passivo ao que o cercava, e a mais velha, a postura de um homem destinado em procurar vingança. Mas o bacana é como o temperamento de Uhtred interfere nesses dois hemisférios, denunciando nele, mesmo após homem-feito, os resquícios de um sujeito inconsequente, debochado, pirracento, arrogante e teimoso. 

Mas vejamos o background  do personagem:

Nascido com o nome de Osbert, filho caçula do Ealdorman Uhtred, ele ainda na infância é rebatizado como Uhtred filho de Uhtred, quando seu irmão mais velho é assassinado. Após presenciar a derrota e morte de seu pai para os vinkings dinamarqueses, Uhtred Filho é sequestrado e criado pelos inimigos, e à medida que cresce, passa a ser como um deles. Porém, sua família dinamarquesa é assassinada e os vikings desconfiam que tal barbárie tenha sido orquestrada pelo filho adotivo e saxão. Sem condições de recorrer aos vikings, pois era tido como um assassino; nem para os saxões, pois havia se transformado num bárbaro pagão; e apenas acompanhado de sua amante, Brida (Emily Cox), Uhtred compreende que há um árduo caminho à frente para alcançar seus objetivos: Vingança e a reivindicação de seu direito como Ealdorman de Bebbanburg. 

Esses avalanches de infortúnios na vida de Uhtred constroem uma personagem tridimensional e imprevisível, porque suas ações impulsivas fazem o espectador temer pela vida dele, por diversas vezes. Muito se desconfiava de como Draymon se sairia na tarefa de interpretar um protagonista do Cornwell. Alguns alegavam que o visual clean e puxado no Orlando Bloom era um apelo desesperado pelo público teen e em nada fazia jus ao que se idealizava nos livros. É de se admitir, porém, que Uhtred se destaca visualmente dos demais personagens, não exibindo a usual "sujeira Cornwelliana" - aquela imagem de piolhos pra tudo quanto é lado e uma cusparada sem fim. Mesmo assim, é preciso apontar o trabalho de Alexander Draymon como consistente e disposto.

Em relação ao enredo, a temporada em questão engloba os eventos dos dois primeiros livros da série (O Último Reino e O Cavaleiro da Morte). Isso nos leva a ponderar sobre o ritmo da série, que é corrido, prejudicando o envolvimento com a trama. Sobretudo, essa urgência atrapalha mais durante os eventos da infância de Uhtred, o que acaba esfriando a empatia ou a preocupação para com alguns conflitos e personagens. A série lida melhor com o seu ritmo conforme os episódios avançam. A introdução da feiticeira Iseult (como ela me fez lembrar da inesquecível Nimue!) e a batalha do episódio final são executadas de maneira primorosa. 

Se houveram coisas em que essa temporada foi competente, essas coisas foram as numerosas relações dentro da narrativa: a relação entre ingleses e vikings; entre Uhtred e os vikings; entre Uhtred e o rei Alfred, ou entre sua própria divisão pessoal; entre a igreja católica e o paganismo; entre os rituais antigos e a reza ao Deus; e muitas outras. Trata-se de duas forças em atrito uma com a outra, gerando drama, uma técnica básica de Storytelling, que quando bem desenvolvida entregam histórias preciosas. Pessoalmente, ver o papel das religiões nas histórias do Bernard Cornwell é uma atração reflexiva. 

Dirigida por mais de um diretor (coisa muito comum para uma série televisiva), TLK apresenta uma câmera forte no hand-held, conferindo quase um teor documental. Mas o uso constante dessa câmera acaba prejudicando a dramaticidade de certas ocasiões. A profundidade de campo é limitada e os cenários são pouco aproveitados por causa disso. Talvez o fato de ser inspirada em eventos históricos possa explicar as decisões dos cineastas, ainda assim é um ponto negativo. Quanto ao design de produção, a série se mostra fiel a já mencionada "sujeira cornwelliana", e direciono certo destaque ao figurino e maquiagem de Uhtred, porque se ele é um personagem que muito se distingue dos demais, grande parte da culpa está em sua caracterização. Houveram inúmeras críticas ao visual dele, mas para mim, por ele me remeter ao Geralt de Rívia (da série The Witcher) foi uma experiência incomum e interessante. Acabei gostando. 

Não acho frutífero tentar encontrar um espaço para The Last Kingdom entre os sucessos como Game of Thrones e Vikings. Pra falar a verdade, não acho nem necessário. A série consegue adquirir pra si uma identidade, ainda que em processo de amadurecimento. A trilha sonora, por exemplo, é discreta, pois tenta fugir dos padronizados acordes de violoncelos, mas acaba não estabelecendo uma presença, exceto para o tema de abertura e a música tema de Iseult. O elenco, por outro lado, é competente, e menciono aqui os nomes de David Dawson, Adrian Bower e Ian Hart (Sim, ele foi o professor Qurinus Quirrell de A Pedra Filosofal).

Se lhe agrada enredos com temáticas de época, história da Inglaterra e Bernard Cornwell, The Last Kingdom é capaz de atender seus gostos. Após o segundo episódio a série engata a marcha de velocidade e se desenvolve com melhor ritmo. A boa recepção da crítica, a compreensão do público para com as limitações de uma primeira temporada, o razoável sucesso e a qualidade da produção, fazem dela uma promessa que merece atenção.

Menção: A intro/vinheta tem uma arte fantástica acompanhada de uma música de valor cultural riquíssimo. Vale a pena conferir.

***

Alguns pontos de partida começam como saxões, mas às vezes desvios escusos acabam nos surpreendendo e nos transformando em dinamarqueses. O tempo passa, e o trauma de ter sido expelido de minhas raízes se enfraquece, até ser substituído pela sensação de pertencimento, como se um estrangulamento aos poucos se metamorfoseasse em um abraço cálido. Sou dinamarquês - ouço-me dizer. Eu acredito. Eles aceitam. O passado não mais investe dores ou angústia. Porém, novamente sou traído pelo caminho. A minha segunda raiz agora é expelida também. Seu traidor - ouço eles dizerem. Não é mais um dos nossos - ouço eles dizerem. Eu não tive culpa, tentaram me matar também. Eu não fiz nada. É. Eu não fiz nada. Mas quem irá acreditar em mim? No fundo, nunca pertenci a lugar nenhum. Foi só uma sensação, nada mais. O que me sobra é o desejo por vingança, a mais antiga forma de justiça. Apesar disso, o caminho insiste em mudar, de novo, arrastando-me para longe. Estou começando a ficar farto de tudo. Eu perdi muito desde o começo. De repente, algumas peças se encaixam e repostas aparecem. Pelo visto, o jogo irá manter essa dinâmica. Mas eu não exponho temor algum, pois o destino é inexorável. O destino é tudo.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Ladrões de Bicicletas - A Densidade de um Protagonista e as Múltiplas Intenções de um Clássico

FADE IN

Surge em plano a imagem de um ônibus em chegada. O local se apresenta, sem qualquer censura, como um bairro carente. Igualmente miseráveis são os ânimos das pessoas ao redor, não há som ambiente, tampouco o barulho dos pés apressados que aglomeram-se em volta do ônibus agora parado. Há apenas uma música soturna.

Tudo isso fede a rotina. 
A vida seguindo terrivelmente devagar. 

Desempregados famintos por um rumo perseguem, em ritmo de parasitas, um senhor que pode silenciar os urros de seus estômagos. Porém, esse senhor não tem consigo tantas oportunidades assim para saciar tantos. Ele dispõe, por ora, somente de poucas ofertas de emprego, as quais estritamente não se encaixam nos perfis de nenhum ser ali presente - Como se fosse o reluzir de uma desgraçada coincidência. Quem de fato é adequado para uma chance está avulso a aquela multidão pedinte; está situado a metros dali; e não ouve o seu nome sendo chamado.

- Ricci! Antonio Ricci! 

E é assim que tudo começa...


ANTONIO RICCI (Lamberto Maggiorani) recebe a oferta de colador de cartazes, com a exclusiva condição de ter uma bicicleta própria para poder trabalhar. Após sacrificar a roupa de cama da família no objetivo de conseguir dinheiro para comprar uma bicicleta na loja de penhores, ele começa a trabalhar. Mas quando tudo parecia ter tomado o rumo da esperança, Antonio tem seu veículo roubado no primeiro dia de trabalho, desencadeando uma busca desesperada pela sua ferramenta de sustento. 

Assistir Ladrões de Bicicletas (1948) é contemplar o máximo do movimento Neorrealista Italiano que surgiu nos anos 40, trazendo um olhar mais lúdico para o fazer do cinema naquele país, o qual ainda enfrentava as sequelas de um conflito armado mundial. Abdicar-se do glamour, exercer as filmagens em locações reais, misturar a eficiência de experientes atores com a naturalidade de novatos e relatar tramas que remetem a vida cotidiana, são alguns dos aspectos deste movimento (Considerado por muitos como um dos mais relevantes de toda a história do cinema). A película em questão, dirigida por Vittorio de Sica, se uniformiza de tais características, entregando um filme que levanta questões de cunho social e também de caráter pessoal, como obsessão e angústia.

Lamberto Maggiorani como Antonio Ricci

No entanto, quero limitar o texto a certas observações que conferem a esse filme a categoria de magistral.

Pois então, a julgar pelo ritmo enérgico e pela postura ágil do filme em desenvolver uma trama instigante, Ladrões de Bicicletas consegue puxar para si observações variadas. Entre elas, se faz necessário mencionar a riqueza dramática presente em seu personagem principal, Antonio Ricci, e como é interessante ver tal personagem adquirindo mais densidade à medida que a história avança.

No início, Antonio é apresentado como uma figura sossegada e detentora de uma passividade acomodada. É possível perceber o resultado disso na forma que ele é introduzido em tela, meio que involuntariamente, ou seja, RICCI não vem até nós e diz: 

- Olá, espectador.

Não.

É a câmera que vai até ele. E vale dizer o quanto isso é útil para demonstrar o crescimento de determinado personagem no decorrer de uma narrativa:

Ele começa no raso e calmo, como a água de uma psicina, e avança através dos degraus da história até adquirir a agitação que o faz se assemelhar com um oceano.

ALIÁS, durante os primeiros minutos de projeção, a figura de Antonio concede aspectos que desenham a sua já mencionada inércia comportamental (E voltando à cena introdutória - Antonio é filmado sentado tal como uma criança que hiberna na caverna de sua solitária imaginação, longe dos homens que procuravam emprego, alheio ao chamado e, assim, havendo a necessidade de ser alertado por um conhecido); Desse modo, podemos vislumbrar a dita passividade característica nele e, para efeitos de ilustração, podemos também testemunhar como sua esposa, Maria (Lianella Carell), logo depois, é quem toma a iniciativa de penhorar a roupa de cama da família.

"Pai, filho e bicicleta"

Na composição de Maggiorani também estão traços de um homem jovial, dedicado à família e otimista para com o futuro. Toda essa confiança é roubada de seu semblante logo no primeiro dia de trabalho, no momento em que levam a bicicleta. A partir desse incidente, uma tormenta começa a ser tecida no Antonio, desencadeando nuvens de aflição, impotência e desespero.

Essas nebulosas transformações aplicam ao filme uma energia constante em volta da busca pelo veículo roubado. A obsessão para com o desfecho da procura é experimentada por cada cena posterior ao incidente, tendo como plano de fundo as ruas de uma Roma pós-guerra. Quem mais bebe da obsessão é justamente Antonio, e torna-se interessante ver como a angústia se intensifica conforme o desespero toma conta dele.

A película toma a liberdade de discutir, através desse conflito narrativo, certas relações humanísticas, como as ligadas com emprego, sociedade, criminalidade e também entre um pai e seu filho, Bruno Ricci (Enzo Staiola). Por isso, é relevante comentar a habilidade de Vittorio de Sica em construir satisfatoriamente todo esse espírito que representa o filme - como pôr o protagonista em meio a pessoas ou em planos mais amplos para acentuar sua pequenez; e também os diferentes espaçamentos existentes, e oscilantes, entre Antonio e Bruno, e como essas variações parecem exercer uma tensão narrativa; ou até mesmo em compor uma sequência com a estruturação de três atos explícita para narrar a sufocante Piazza Vittorio e a dimensão do conflito central.

Contudo, uma sequência que merece destaque e que sintetiza a excelência de Ladrões de Bicicletas, é aquela situada na Porta Portese. Vittorio, numa escolha inteligente, utiliza do significado e valor emocional da chuva para realçar a aflição e frustração de seus personagens. Antonio ensaia um início para sua desesperada procura, mas a já torrencial tempestade e a correria do povo em fuga atrapalham qualquer esforço. Ao fundo, um constante crescendo da trilha perturba e, mais uma vez, o trabalho corporal dos atores marca o desorientação dos personagens, pai e filho. A chuva, então, literalmente, pausa a perseguição e passa a desenvolver somente as dimensões internas relacionadas a quem procura a bicicleta. Quando a ultima gota, enfim, vai ao solo, Vittorio diminui a frustração de Antonio, lançando luz ao paradeiro da bicicleta, numa clara estruturação de escalada de tensão até uma recompensa. 



O realizador repete tais estruturações em outras sequências, sempre adicionando novos componentes, necessários para o desenvolvimento da história. No meio dessas construções, ele abre espaço para abordar o momento daquela Itália, não se apoderando de um discurso escancarado, mas apenas mostrando em tela aquilo que era vero, exatamente o que o movimento Neorrealista tinha de principal característica. 

Ladrões de Bicicletas é um trabalho sóbrio e tocante acerca da capacidade que um ser humano tem de reagir ao horripilante horizonte da penúria, revelando intenções (artísticas e sociais) de discutir sobre o proletariado e a sacrificante vida daqueles à margem dos abastados. Energético em seu desenvolvimento e realista em seu desfecho, o filme é certamente um dos mais relevantes de toda a história.

Quanto a Antonio Ricci: Este é uma personagem tridimensional à deriva de um complexo avalanche de sentimentos. A frustração e o desespero são ingredientes que moldam a densidade de sua mutação, levando-o para ações que às vezes não condizem com seu verdadeiro caráter e alinhamento, mas que são consequências de uma aguda angústia.


Supermente recomendado.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

A Funky Dude in Love

(OK
Listen up you folks
I'm gonna bring some beat
Over here
Over there
Over all around
Better shake y'all up
Up very high from the ground)

1, 2, 3, 4

He's got a woman
Come here and see
Said he's got a woman
Something hard to believe

He loves her in the morning
And in the night too
Who could ever imagine
A woman tamed our dude

He's got a woman
His loose days are gone
Girls, he's got a woman
Farewell our nasty John

She brought tenderness
To a man in need
He's now a song
Oh a song with color and heat

Said he's now got a woman
Better you start to believe

(Let's put some sexy sax here)

All over the town
One thing news
John gotta a baby that
loves him from hair to shoes
People says they won't last
It can't be true
'Cause where once was a sinner
We now see only good

Oh the naughty is gone
(All the way gone)
Oh Those one night love
(Gone, gone)
All that disguised loneliness
(Yeah, gone, gone)

He's got a woman
Listen up my beat
He's got a woman
You know, that's good to me

He's got a woman
Come here, see
Said he's now got a woman
Something not so hard to believe

Oh yeah

(He's alright
She's alright
Their love is alright...)

---

Inspirada na música "I Got a Woman" de Ray Charles

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Cinemas do Rio: Dia 1 - O Cinema das Luzes

Hoje dei início a um projeto que no ano passado procrastinei, enrolei e acabei não fazendo. A brincadeira é simples: Visitar TODOS os cinemas da cidade, e mais alguns de regiões próximas. É um exercício interessante e excêntrico, em igual escala, de experimentar O Cinema em lugares fora da minha rota comum. E também, por que não, um exercício de carioquice. 2015 ficou marcado como o ano de poucas idas ao cinema, raras, minguadas, pífias, enfim. 2016 veio para mudar o triste quadro deixado.

Para começar esta longa jornada, escolhi o Cinemark Downtown, localizado no bairro da Barra. Vale sublinhar que a escolha foi totalmente desprendida de simbolismos ou motivos poetizados. O estabelecimento em si é bom, oferece programação variada, um bom número de salas e projeção satisfatória. Para esta vez ficaram marcadas algumas peculiaridades meio que esquisitas, como por exemplo, um rapaz aleatoriamente contando piadas para estranhos na fila da bilheteria, a quantidade insana de publicidade antes dos filmes e bem... Digamos que esse cinema tem um certo apego às luzes. A má primeira impressão, aliás, foi essa. O apego peculiar fez com que houvesse atraso em desligar as luzes quando iniciaram um filme e que houvesse pressa em acender as mesmas DOIS minutos antes do término de outro filme.

Os filmes assistidos foram dois, O Despertar da Força, de J.J. Abrams, e Os 8 Odiados, de Quentin Tarantino. Pode falar, um começo e tanto tratando-se de programação escolhida. Fico feliz por ter acertado. E ok, ok, lá se vai a quarta vez assistindo Star Wars, beleza, eu admito. Contudo, posso dizer que hoje houveram alguns adicionais. A tecnologia D-Box empregada nas poltronas, fazendo com que elas se mexam freneticamente durante a projeção, ficou com o cargo de ser o diferenciador. De certa forma, foi sim, com suas chacoalhadas intensas a bordo da Millenium Falcon e X-Wing ou acompanhando um duelo de Sabres e Força, tudo isso deu uma imersão que eu ainda não havia provado. Mas no final, o que de fato tornou as coisas singulares foi a empolgação de um casal ao meu lado, assistindo o filme pela primeira vez. Vislumbrei neles cada dose de nostalgia aplicada, cada empolgação por uma vitória conquistada, cada suspiro de satisfação por um reencontro e cada lágrima pela... Bem, quem assistiu sabe. Estar na terceira pessoa da reação imparizou tudo.

Tanto o Episódio VII de Star Wars quanto o Episódio 8 de Tarantino são trabalhos de excelência cinematográfica e narrativa. Os 8 Odiados comprova a genialidade de Quentin como um Storyteller, um dos melhores filmes de sua carreira. Me ver reclinado para a tela do cinema, intrigado com as reviravoltas da trama, é algo que não costumo fazer muito, pelo menos não em público. Tarantino conseguiu mover minha postura, conseguiu entregar um estudo da cruel natureza humana sob o uso do bom, velho e puro cinema. Cinema de verdade.

No cinema de apego às luzes, comecei a jornada a qual espero encontrar muito mais do verdadeiro cinema. Que a força esteja comigo e o desânimo com os opositores da causa.

Rodemos esta cidade, então!

Um registro. Ignore a cara de mongol.