sábado, 14 de novembro de 2015

Tradutor Espontâneo: Beautiful Escape

- Houve momento de desejo implacável por algo diferente. Algo que pede uma displicência em querer correr rumo ao LÁ que Gonçalves Dias tanto idealizou. Uma fuga que traz catarse... Uma fuga encantadora.

Essa é uma tradução livre da música Beautiful Escape de Tom Misch com participação de Zak Abel.

Segue a letra original, letra traduzida e, ao final do post, a música:


BEAUTIFUL ESCAPE

I feel you breathing down my neck
As the blood's rushing through my legs
Waiting for a chance to prove that my soul
It belongs to you
I just wanna go there,
I just want a beautiful escape
I just wanna move ya
Show you that this love is yours to tear

And now we're driving over,
Thrills that makes us feel like we're not enough
Yeah, we're flying up, closer
Dancing on the edge of the world above
I was scared I couldn't show ya
All this lovin' that I hold inside
But now I feel your power
I am here, and I don't wanna hide
No more

Now I'm feeling like you're with me
As my heart's pouring on my sleeve
I don't want this rush to go
Oh I'm trying to let you know
I just wanna go there
I just want a beautiful escape
I just wanna move ya
I just wanna take you to that place

And now we're driving over,
Thrills that makes us feel like we're not enough
Yeah, we're flying up, closer
Dancing on the edge of the world above
I was scared I couldn't show ya
All this lovin' that I hold inside
But now I feel your power
I am here, and I don't wanna hide
No more

No more


FUGA ENCANTADORA

Sinto sua respiração rente ao meu pescoço
Como as correntes sanguíneas que fluem em mim
Ao aguardo de uma chance de se provar que minh'alma
Pertence a você
Eu só quero ir até lá,
Eu só quero uma fuga encantadora
Eu só quero te excitar
Mostrar-te que esse amor é teu para despedaçá-lo

E agora nós estamos em curso,
Curtindo aquele prazer de achar que não somos o bastante
É, estamos voando, juntos
Bailando nos limites do firmamento
Temi não ser capaz de te mostrar
Todo o amor que guardo dentro de mim
Mas agora sinto o teu calor
Estou aqui e não vou mais escondê-lo
Não mais.

Agora vejo que estamos em sincronia
Conforme meus sentimentos saem das fobias
Não quero me precipitar
Oh, estou tentando te mostrar
Que eu só quero ir até lá,
Eu só quero uma fuga encantadora
Eu só quero te excitar
Eu só quero te levar até aquele lugar

E agora nós estamos em curso,
Curtindo o prazer de achar que não somos o bastante
É, estamos voando, juntos
Bailando nos limites do firmamento
Temi não ser capaz de te mostrar
Todo o amor que guardo dentro de mim
Mas agora sinto o teu calor
Estou aqui e não vou mais escondê-lo
Não mais

Não mais.


quinta-feira, 29 de outubro de 2015

1/10

Beira de estrada. Num mercado ao longo, um homem empacotava suas compras apressadamente. Ele estava eufórico, mal conseguia controlar suas próprias coordenações e como resultado, ao receber seu troco, deixou que uma moeda de dez centavos escapulisse de seus domínios e rolasse calçada abaixo, rumo ao asfalto conturbado. O homem, com um impulso automático, correu atrás da moeda numa dedicação nada recíproca, onde seu pé direito tentava deter a fuga, mas a moeda continuava a rolar e o homem, à estrada, atenção não prestava. Obviamente, em certo momento, ele conseguiu detê-la, conseguiu recuperá-la. E após esse certo momento, ele lembrou-se de suas compras, lembrou-se de sua pressa, mas também, não menos importante do que todo o resto, lembrou-se que estava sob a agitação de uma estrada.

E morreu.

Quanto a moeda, a pressa e as compras, todas passam bem.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Leve em Consideração

Quando os olhos de Clarice foram de encontro com os de fulano, ela foi capaz de enxergar toda a beleza contida naquele ser. Ele, trocando em miúdos, era a coisa mais linda que ela já viu ou ainda veria em toda sua existência - e para tal conclusão delicada não fora preciso mover a retina um só centímetro, Clarice sabia disso e era suficiente apenas olhar, mergulhar nos olhos cor Amazônia, vívidos e puros, os quais devolviam percebimento. Junto ao momento, a respiração da moça desapareceu por um segundo equivalente a século, seu corpo traiu-a com arrogância ingrata e ela sentiu nas entranhas mais profundas que a compõe, uma palpitação abstrata que arranca a razão até dos mais pragmáticos dos homens: Amor. Amor categórico e incisivo; amor que não pede para adoecer; o mesmo amor neutralizador de sentidos; o amor cego que, tal qual pelos próprios olhos, escolhe não mais enxergar nada além do que o último vislumbre - O que alguns ainda insistem em chamar de primeira impressão... De primeira vista.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Pensando Sobre o Ato de Escrever

Pergunte para um escritor, qualquer um mesmo, do amador ao profissa-nobel ou até aquele já passado desta pra melhor: "O que é escrever?". Haverá uma infinidade de respostas, certamente. No entanto, nenhuma descartada poderá ser, pois cada uma terá o seu valor caso haja o intuito de melhor entender esta prática. Há aqueles que escrevem muito, há os que pouco escrevem, há aqueles que dizem de si, outros que dizem do externo a si somente, têm os que são dramáticos, ou os sátiros, há os realistas, mas há os fantasistas também. Pensando sobre o que poderia ser comum a todos esses sujeitos, veio a minha cabeça um pensamento, que pode, de certa forma, agregar esse que vos fala a mais um dos trizalhões que tentam responder:

- O que é escrever?

"Escrever é um ofício que requer a menor obviedade possível, ou toda da mesma -, que seja. Sobretudo, o que me parece imprescindível para ambos os casos é o exercício da imaginação focado para um fim unânime, que é a matéria prima para qualquer arte: o sentimento. Ignorá-lo, então, representa não só um atentado contra a obra e o ofício, mas também para a sua própria capacidade de se expressar."

Eu disse, talvez, mais do mesmo, mas disse. E muitos demais ainda irão dizer.
Isso, pois, é ótimo.
Que se expressem à vontade.

Um Caso de Liberdade da Verdade

Gosto do completo desprendimento social que, por vezes, ocorre de jeito implacável e fagulha-me uma vontade quase sexual de somente dizer a verdade, aos montes. Verdades de todos os tipos, mas principalmente aquelas que embaraçam os meus vínculos mais frágeis. Aquelas do tipo que machucam por apenas ser a verdade, pura e sem ornamentos, dita num oportuno momento de distração ou conveniência. Ela vem e não sai, fica ali que só ela, complexando o emocional do indivíduo que a recebe como uma reverberação de um som interminável - o tipo de verdade que gosto de dizer, mas nunca de ouvir, pois sou humano, sou hipócrita, o que é outra verdade.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

I'm About

I'm about...
About to run.
About to stay.
About to scream.
About to pray.

About is my way,
every night and every day
in a constant replay
where delay is OK to obey.

I'm about to do.
I'm about to don't.
I'm about to will.
I'm about to won't.

That's my "BE":
Stuck in the middle.
There are two of me,
the one in the flesh
and the one in the mirror.
And I think none of them are real.
Because I'm about to born.
I'm about to die
I'm about to live
I'm about to cry.

Why?

I forgot the answer.
But I'm about to remind.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Ensaio Sobre Questionamento Existencialista Clichê

Casal no restaurante, sentados no pouco iluminado fundo do local, se encontra para bater um papo. Pegamos o bonde andando, no entanto, em oportuno momento, ouve-se:

- Alguma vez você já se pegou olhando ao redor e se sentindo tão diferente das outras pessoas, como se o seu eu fosse incompreendido? - Yasmim indaga com certo teor de contemplação na fala.

- Onde você quer chegar exatamente? - Gustavo paga com outra pergunta.

- A lugar nenhum em especial. Só me bateu a curiosidade de saber se mais alguém já experimentou essa sensação.

- De ser autista, portador de uma síndrome-narcisista?

- Não tem nada a ver com isso. Na real, tem a ver com uma sensação de deslocamento, sabe? Escapulir de algum eixo que, no meu ponto de vista, todo o resto do mundo segue.

- Deve ser divertido se sentir tão especial.

- Eu sei que soa egoísta...

- E é, acredite. Por exemplo, posso enquadrar esse teu raciocínio a nós dois aqui, sentados nesta mesa. Eu posso olhar para os lados e julgar que todo o resto além de nós é menos interessante do que as coisas que nos englobam. Nós somos melhores, nossa comida é melhor, nossa relação é melhor, enfim, até posso pensar que nossa conversa é melhor, apesar de ser difícil me fazer crer nisso. - Ele sorri.

- Me faz parecer uma criança mimada colocando as coisas assim.

- Me desculpe, Yasmim, mas não somos melhores que os outros. Apenas somos, entende?

- Entendo que você sempre gosta de monopolizar os rumos dos nossos papos. - Ela responde em tom áspero.

- Hei, isso não é justo! - Brinca.

- Quer saber? Nem sei porque ainda converso essas coisas contigo. Me manter mais superficial perto de tu é uma boa saída pra não pirar.

- O que você queria ouvir? Ah, Yasmim, você é tão diferente das outras mulheres. Você é tão original, autêntica e interessante. Adoro seu modo de se distanciar dos estereótipos de garotas fúteis e vazias. Que sorte é a minha ter...

- Já chega, Gustavo!

Silêncio. Contatos visuais opostos.

- Você é especial pra mim, Yasmim. E para todas as outras pessoas que te conhecem, creio eu. Mas quanto as proporções que nos contabilizam neste planeta, você é apenas mais uma. Uma singela peça de um mosaico soberbo chamado humanidade.

- Cara, na boa, namorar você deve ser um porre, sabia?

- Sei que temos um progresso agora. - Gustavo diz com um sorriso bobo.

 - Eu, sua companheira, te esganando da forma mais cruel em pensamento neste exato momento? Puta progresso! - Ela disse isso mais alto do que planejara.

- Olha, sua ingratidão me parte o coração. - Ele abre os braços. - Há jeito mais genuíno de parecer diferente do que parecer pior?

Yasmim não respondeu, preferiu digerir o que Gustavo acabara de dizer. Ele, de uma certa forma, havia respondido a pergunta dela, mas ao modo dele.

E o que sucedeu após isso de nada nos interessa.

domingo, 20 de setembro de 2015

Annoying Noises On Good Photographs

I felt a cold breeze blowing beneath my soul. I didn't mind a bit, but a voice inside my head was begging for attention. And beyond that invite or anything that would be more pleasant than my current state, I saw you. Sort of away from me but I recognized you, right beside children's fears, taking advantage of innocence and with a smile - A cold one just like the wind I was submitting my sanity. Heavy tears washed my face, I didn't hide. But, through the last portion of courage left on me, I believed in the insignificance of the situation. And now I embrace the cold, I swallow the voice and I even accept you on my sight. Unlike the old me, who just couldn't, I learnt to stand among terrors. I won't be part of your crimes anymore, Queen of broken pieces. Let me stay here, quiet and still, enjoying the insignificance of you.

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Deixe Que O Cristo Nos Diga O Limite Desta Cidade

Evaristo saltou da cama quando seu despertador, tocando pela sei lá das quantas milésima vez, o fez lembrar da responsabilidade que tem todas as manhãs, levar um O Retorno do Rei completo, versão estendida com comentários e tudo, para chegar ao que ele chama de ganha-pão - Pobre Odisseu. Porém, Evaristo não se ligou na última grande notícia bombástica divulgada, - o coitado lá tem tempo pra isso? - pois se tivesse, teria tomado conhecimento de uma mudança que muito lhe afeta.

Ele não é mais Carioca.

É! Até poucos dias atrás, mesmo sendo habitante do extremo-longe confundó do Judas, lugarzinho entre o limiar da Avenida Brasil e as extensas matas virgens gradativamente descabaçadas pelas viris fábricas de fumaças, Evaristo tinha o direito de dizer-se "Carioca" - Documentos asseguravam isso. Residente, com farto orgulho, da cidade do Corcovado, Pão de Açúcar e Copacabana, por mais que tais lugares fossem apenas vislumbrados através da janela do ônibus ou das novelas. Agora, no entanto, essa cidadania não existia mais. Isso parecia trazer um ar de caos, um ar de panelaços, um ar de pneus queimados interditando estradas e um ar de abandono muito mais abandonado do que o normal.

Não vieram ônibus que levassem para o trabalho; Não veio ordem que trouxesse de volta os ônibus que levassem para o trabalho; Tampouco, explicação sensata que entregasse qualquer ordem suportável; E se qualquer coisa passasse por ali, o protocolo era gritar:

- Não mais cariocas!

Os representantes das mídias com suas sofisticadas quinquilharias, como helicópteros, Drones e até um deturpador de realidade de última geração usado recentemente em alguma causa que merecesse adequar-se ao "padrão-do-cliente-mais-importante", chegaram para transmitir tal evento que a qualquer momento poderia substituir a novela naquele dia, e Copacabana não seria vista. Evaristo, perplexo e aporrinhado por uma desconfiança, perguntou para algum jornalista o que estava acontecendo, mas levou a seca resposta:

- Não mais cariocas!

Então, perguntou para um sujeito que derramava álcool sobre uma parede de pneus e papelão. Ele, porém, também disse:

- Não mais cariocas! - Ríspido e Boom, chamas.

Ciente do dia de serviço perdido e preocupado se poderia ser demitido pela "incapacidade de chegar ao trabalho por causa de um caos bobinho", diria seu chefe, nosso amigo retornou para casa em busca de montar bom argumento. Talvez mais um parente morto por uma bala perdida ou outra enchente de descaso conscientemente exercido, ajudariam na peleja que é não transar com a pindaíba. Antes de solidificar a desculpa escolhida, pasmou-se ao ver, pelo noticiário mesmo, um motivo mais extraordinário, original e real para o alvoroço:

"Que belo dia para ter um protesto, não? Que belo dia para ser carioca, não? Ah, melhor dia ainda para dizer "Não mais cariocas!", não? Foi aprovado, finalmente, o projeto de lei que há tanto tempo a cidade maravilhosa clamava, feito por paladinos comprometidos com uma coerência nada equivocada e estúpida, mas visionária e sadia para as vistas. O Projeto 'Tem Cristo, é Rio' tem como objetivo, e falo isso com uma alegria juvenil, re-mapear, e a essa altura já re-mapeou, a cidade do Rio de Janeiro para novos parâmetros que são convenientes aos interesses de uma meia-dúzia samaritana que entende as necessidades da capital.
 
Tá vendo aquela estátua de pedra-sabão lá no alto do Corcovado? Ali. Isso. Consegue? Se sim, fique tranquilo, o Rio de Janeiro ainda é o seu lugar. Parabenizo, aliás, pelo ótimo gosto em escolher seu bairro e por ser este cidadão exemplar, não precisando nem conhecê-lo para dizer que és muito civilizado, sim. Agora, se você não consegue vê-la de jeito nenhum, nem a lasquinha do dedo do meio ou ela lhe dando as costas, pode ver, ao menos, o meu lamento cinicamente scriptado para informar que a cidade das belezas naturais não é mais para você. Não tenho dito isso eu, mas, sim, o próprio Cristo!
 
É claro que há lugares deploráveis capazes de vislumbrar a estátua. Essas eternas pedras no sapato do desenvolvimento, que tiveram o atrevimento de estar no lugar certo da segregação certa, possuem o texto como proteção. Entretanto, convenhamos, é muito mais fácil cuidar de 2 do que 20, imagina 2000. E acaba sendo importante para o projeto, mostrar que há o interesse de agregar alguns subalternos ao plano do Éden.
 
O Rio agora é a cidade do metrô, da cultura, do grupo estação, do lazer, da boniteza, dos ônibus com TV e ar condicionado e das novelas do Manoel Carlos. A mancha rubra do cão, a cor de tijolo sem emboço, a feiúra das linhas de trem,  a ausência da brisa para a catinga de esgoto e a vivência da lamentação, não mais serão um fardo para a cidade, não mais atrasarão, não mais cariocas serão. Pro lado de cá, tudo continua, pro lado de lá, a rotineira atenção nunca concedida, ou seja, nada muda. O projeto abrirá exceções lógicas, calma civilizados injustiçados! Alguns bairros fiéis aos requisitos serão re-agregados e ganharão até uma projeção digital do homem de Nazaré. No mais, daqui para frente, surgirá um mar de transformações que trarão a nós a tão sonhada ordem e o tão adiado progresso.
 
Aos ex-cariocas, aviso que nossa transmissão terminará agora, em definitivo, para sempre. Não fazemos nem questão de ir recolher nossas coisas por aí, podem ficar. Foi um desprazer tê-los convivido e fique sabendo que é um alívio o corcovado não ser mais alto e o Cristo, maior.
 
Fiquem com suas respectivas programações normais."

Evaristo achou aquele argumento genial para justificar sua falta, mas de nada mais valia, o único prêmio recebido pela retórica fora um: Você está demitido. Motivo? Mora mais longe do que há um dia atrás. De sua varanda, o Cristo não lhe oferecia nada, nem as costas e nem uma esperança. Ele não ousou pensar que Cristo, não o símbolo segregador, tenha abandonado toda aquela gente, mas alguns outros, mortais e responsáveis, com certeza abandonaram. Nosso Evaristo sentiu raiva invadindo. Raiva não por perder o emprego ou o canal de TV, não pelo fedor de pneu queimado impregnando ou pela exclusão - até porque todos ali já eram excluídos há muito tempo. A raiva invadiu porque foi traído o orgulho, arrancando a cidadania de morador da cidade maravilhosa como se fosse desapropriar qualquer moradia feia. No entanto, ele tinha certeza que o panelaço e a fumaça continuariam até alguém prestar atenção, nem que o próprio Cristo e o Corcovado aumentassem...

Ou se mudassem pro lado de lá.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

De Onde Vem a Vira-latisse

Índio já morava
Chegou europeu
Traficou negro no breu
Pra depois asiático chegar nessa feijoada.
Encaixou mais uns, virou bacanal fuleiro.
É disso aí que veio o Brasileiro.

domingo, 30 de agosto de 2015

Quanto ao Absurdo de Estar Perdido ou Achado

"Você tem essa mania de me dizer que estou 'perdido'. Bem, não que por algum acaso eu já tenha me achado neste mundo turbulento, pois tal coisa, te garanto, jamais fiz e acho meio improvável fazê-lo algum dia. Porém, todavia, entretanto, não - quer - dizer - que - estou -  perdido. Eu só não cheguei ainda. Pergunto ali e pergunto acolá sobre esse negócio de se achar, mas oras, ninguém sabe coisa alguma! Por que eu, miserável ser errante, deveria portar esse item tão raro e valioso? Só de perguntar já me soa arrogante. Agora, hei de admitir que enrolo nesse troço aí. Na verdade, passo em tantos galhos, dos mais tortos aos mais alinhadinhos, desprovido de qualquer pretensão, que até o pouco de bom-senso que possuo não configuraria isso como sendo um procurar. Mas é um, sim, lá num fundo tão fundo que o pobre diacho do 'perdido' venha a calhar de uma certa forma. E pensando bem, aqui nos domínios de um galho lodoso e sinuoso que faço morada há três dias, essa caça é tão eterna quanto o tédio que deve ser se achar por completo. Convenção social ou não, eu não sei o que quero, você não sabe o quer, ninguém sabe! - E nem se toda a sanidade mental minha esvaísse perante uma doença do tempo, ainda assim, não consideraria o termo 'perdido' em meus cunhos de julgamento alheio. Prefiro usar um mais simplório e filosófico: Vivendo - com V maísculo mesmo".

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Matina Audácia

Despertado antes do canto, eu fui. Vontade alguma me ocorria para nada, pois o sono ainda me entorpecia, vinda rotina. Sob a míngua luminosidade da matina, expus-me ao frio que molengava a todos. Os mesmos fulanos se arrastando como lesmas pelo asfalto áspero e bocejadores da preguiça iam ao longo como um coral lamentoso, meu âmbito. De qualquer lugar que convém haver calor ou cantarolar de pássaros, sinal jamais deu e mínima acerca, ninguém ofereceu. Assim o tempo decorreu e mantém. O clima era tão pra baixo quanto a neblina que marchava rente ao chão em modorrenta lentidão. Nós, meros lerdos, cuja as roupas eram as nuvens, marchávamos com igual indiferença, obedientes ao sistema, como sombras carentes de corpo e portadores de cegueira cinza.

Em algum de repente mais súbito que um segundo, cessei meus passos desleixados e me entreguei a um questionamento, coisa qual acho cansativa - E reintegro aqui que não há exatidão na ordem de tais ocorridos, pois procrastino. E digo-lhe mais, parei não pela pertinência do pensamento, petulante comichão muscular da consciência, mas, sim, pelo doce que emanava a essência, diferente. Rasguei ao meio uma volta e minha farda junto, contrariei a manada degustando o teor ácido da rebeldia e vi o turvo dissipar-se, derramando cor das bordas até o núcleo. Não costuma ser costume, tampouco prudente, desligar-se do coral. Entretanto, inédito acorde seduzia e eu me entregava à travessura. Minha alma despida da neblina havia e então achei conveniente correr, como um símbolo de liberdade, clichê.
    
O frescor trouxe uma brisa a tons de amarelo que povoaram todas as dimensões, sendo aquele colossal tapete azul, meu novo acorde, quebradiço, mas tão reconfortante quanto salgado. Como criança, experimentei tudo com euforia e edifiquei coisas à base de areia e ingenuidade. Brinquei até me esquecer do começo ou do fim. Vivi a cor, a natureza, a paz e a liberdade. Eu percebi. Senti-me eterno. E agora rio sem-graçado frente às palavras  que escrevo. Ó, caro leitor, perdoe este miserável lunático. Ele acha graça em demasiar as coisas e divaga sobre fantasias romantizadas entre os intervalos de remédios. Todavia, nem tudo fora fruto de devaneios, pois punhos ferozes seguem toda vez que relato tal acontecido e isso inquieta-me mais do que qualquer comichão. Não mais percebo dor ou visão, devido a punição em locar-me dentro de neblina mais densa que antes.
    
Vive-se tempo de mínguas. Se algum dia, por acaso ou querer divino, alguém achar essa prosa, terá destransformado minha liberdade da imaterialidade e poderá igualmente cessar os passos desleixados, caso cor desmanche a neblina. E enfim, existência menos vão teremos feito.
    
Boa sorte, carta minha.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

As Matérias Corroem

Choraram as flores
Pela falta de vários amores
Sangraram as folhas
Pelo vacilo de algumas escolhas
Silenciaram os ventos
Pela fadiga que nos conduz ao relento
Secaram os rios
Pois pelo papel muitos se tornaram frios
Murcharam os frutos
Por não irem ao encontro dos famintos urros
Endureceram os solos
Tal como os corações nossos.


A vivacidade se desfaz
Num ritmo que apenas satisfaz
Os animais ditos racionais
Cuja a crença está em casuais finais
E quem, aliás, vos faz compreender os aspectos mortais?
Digo, pois, talvez tristeza
A explicitadora crua da fraqueza.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Entre o Pôr do Sol e a Luz do Luar, Encontra-se a Obsessão

Este é um final alternativo para o conto "Venha Ver o Pôr do Sol" (Lygia Fagundes Telles) escrito por mim. Recomendo o conto.



            [...]
            – Chega, Ricardo! Você vai me pagar! – gritou ela, estendendo os braços por entre as grades, tentando agarrá-lo. - Cretino! Me dá a chave desta porcaria, vamos! - exigiu, examinando a fechadura nova em folha. Examinou em seguida as grades cobertas por uma crosta de ferrugem. Imobilizou-se. Foi erguendo o olhar até a chave que ele balançava pela argola, como um pêndulo. Encarou-o, apertando contra a grade a face sem cor. Esbugalhou os olhos num espasmo e amoleceu o corpo. Foi escorregando.
            Ricardo, porém, tratou com frieza o desespero de Raquel e apenas ofereceu suas costas como resposta. Ensaiou um primeiro passo, depois o segundo e assim desapareceu da vista de sua vítima.
            - Não, por favor. - Ela disse com a boca repleta de saliva, devido ao choro.
            A angústia torturava o coração de Raquel, pois o silêncio era o único que a respondia. As lágrimas haviam se esgotado e um pensamento de culpar a si própria por todo o ocorrido tentava sua sanidade. Subitamente, um calor reconfortante banhou sua face, trazendo tons vibrantes de escarlate. Era o pôr do sol, o tal fenômeno que Ricardo tanto falara. A estrela de quinta grandeza, indo gradativamente do laranja ao vermelho, distorcia a perspectiva parecendo muito maior do que de fato era. O horizonte, suavemente, migrava do vermelho para o rosa, que reluzia sobre qualquer matéria súdita de sua beleza. Raquel estava impressionada, tanto que se permitiu esquecer-se do tempo e de sua terrível situação. Seus olhos dançavam com o pôr do sol.
            - Sempre soube que você iria adorá-lo - Uma voz familiar ressurge.
            Certo tempo foi necessário para Raquel sair de sua contemplação, Ricardo faria questão de tirá-la. Ele, ao dirigir um sorriso ardiloso, requereu a opinião da moça acerca do fenômeno. Então, o aspecto fúnebre do cemitério retorna, tirando qualquer vestígio de encanto que possa ter sobrado em Raquel.
            - Acabou a brincadeira, Ricardo! Isso já foi longe demais!
            - Eu te disse que seria o melhor pôr do sol da sua vida, meu anjo. - Sua calma era assustadora.
            - Me tire daqui, Ricardo, agora!
            Ele rumou em direção a Raquel, mas hesitou de repente. A noite iniciava seu florescer e Ricardo pareceu ter parado somente para observar isso, farejou o ar profundamente e tomou pelas mãos um pedaço de madeira hasteado com o seu nome e o dela escrito.
            - O que é isso? - Raquel sentiu seu coração sufoca-lhe a garganta.
            - Isto? - Principia Ricardo, fixando seu olhar ao item grotescamente ornamentado - Isto é o símbolo que eternizará nossa história, minha querida, como uma capa de um livro. Neste cemitério abandonado, repousaremos nossos corpos e continuaremos em alma o nosso amor. - Neste momento, ele retira de seu bolso um frasco de veneno. - Será apenas eu e você, meu bem. Tudo o que preciso é esta prova de amor, esta última e indiscutível prova.
            O pranto retornou ao semblante de Raquel. Ela pediu, suplicou, pelo fim daquela loucura. No entanto, a frigidez de Ricardo era indistinguível com a luz do luar. Por mais que ela tentasse racionalizar com o seu opressor, ele parecia estar convicto da decisão. E, antes que uma lágrima pudesse percorrer dos olhos até o queixo, Ricardo aproximou-se da porta. Raquel sentiu sua estrutura tremer, quis olhar nos olhos de seu ex-namorado, mas tinha medo do que poderia encontrar neles. Preferiu olhar para a lápide.
            - Perdoe-me por ser de madeira e não de ouro. - Disse ele num tom decepcionado. As rugas concediam sombras profundas em seu rosto, tornando-o enigmático. Raquel ensaiou uma ordem, mas foi silenciada com o tilintar da chave oferecida a ela. Ricardo fintou o veneno e sorriu aliciante.
            A cativa tomou a chave e, por mais que a cautela fosse pretendida, não conseguia parar de tremer. O desespero lhe entorpecera o juízo, gerando um impulso estúpido, sucedido logo após o girar da chave, de correr - ou a tentativa de fazê-lo. Ricardo, contudo, não foi passivo à recusa, agarrou-a com uma força demoníaca e não se preocupou em deixar cair seus itens. Os dois dançaram tragicamente sob a noite. Raquel gritou de forma a sentir seus pulmões rasgarem, mas fora interrompida quando começou a ser estrangulada. O carcereiro lamentou o desprezo de sua amada:
            - Por que me maltrata assim, Raquel?
            Raquel concentrou o fôlego restante para aplicar uma cotovelada e desvencilhar-se de Ricardo. Porém, torceu o pé logo após investir a segunda fuga. Um espasmo de desespero sacudiu seu corpo, ela amaldiçoou a burrice de ter aceitado aquele convite. Ricardo, testemunhando seu amor, mesmo naquela situação, se afastando dele, aceita que uma lágrima desça no rosto. Então, uma nuvem obscureceu a lua e Ricardo sacou o último esforço de impor sua vontade sobre alguém: um revólver. Apenas um tiro e um clarão precoce invadindo a escuridão. O som do disparo reverberou junto com o gemido agonizante.
            Raquel desaba.
            Ricardo guardou a arma, recolheu o frasco, a lápide de madeira e seguiu para perto do corpo estirado de sua amada. Ele balançou a cabeça negativamente, como se lamentasse a atitude dela. A luz tornara-se minguante, mas era possível ouvir os grunhidos suprimidos, até silenciarem-se, induzindo a morte. Ricardo batalhou contra o choro, respirou fundo e cuidadosamente, próximo à cabeça de Raquel, fincou a lápide. Ajoelhou-se para acariciar o cabelo dela e, sem qualquer cerimônia, tomou do veneno, dizendo:
            - Espero pelo teu perdão no outro lado, minha Raquel. - O líquido fluiu pela garganta com acidez, mas sem oferecer dores. Ele se deitou paralelo a ela de forma a encará-la nos olhos. Seus membros amoleceram, um cansaço acompanhou o congelamento e a morte abraçou aquele ser. Ricardo sucumbiu, trazendo uma inquietude soberana.
            A nuvem pareceu falecer junto com Ricardo. A lua retornou seu brilho azulado e um suspiro seguiu a resplandecência noturna. Era Raquel. Ainda traumatizada, ela hesitou quaisquer movimentos, mas após certificar a morte do lunático, ergueu-se lutando contra a dor lancinante que sentia. O tiro perfurara as costas na altura do ombro direito, um ferimento incapaz de matá-la. Raquel, desesperadamente, havia forjado a própria morte para manter a vida.
            Ela seguiu precariamente rumo à saída do cemitério. Em nenhum momento quis olhar para trás. Mancando e com uma bala alojada no corpo, ela tentou recobrar a memória sobre o percurso tomado. E quando pensou estar a esmo, ouviu o som de crianças, que felizmente, ainda brincavam de ciranda. Raquel estava livre e salva.

            

sábado, 16 de maio de 2015

O Tempo Nos Leva

Eu sorri para o tempo,
mas ele nem olhou para mim.
Gritei ao vento
Para sua atenção ganhar enfim.
Que nada, uma mamata maquiada
de cílios postiços e mini-saia, safada,
que nem puta da Lapa.
Adornada com maneirismos decrépitos
Antecessor ao mais ancião dos séculos
O tempo é rei, soberano, ditador.
Sem essa de usurpador.
Não, o buraco é mais embaixo.
A vida é um jogo de esculacho.
Quem passa não é o tempo, é a gente.
Breve como o próprio viver, de repente.
Não era essa verdade que desejei ser crente,
mas é assim.
Vai, sorria pra mim!
Peço a Deus pela sensação de dever cumprido
Após encerrar a base desta vida, que é de vidro
Encardido, fedido, sucumbido, jazigo,
Passado.
Presente e futuro também,
são as armas que o tempo tem
contra eu e você, irmão.
A cruel entropia que nos consome a cada respiração.
O resultado da experiência é a fragilidade
diante do fim que corrói qualquer vaidade.
Piscou, espantou, passou, perdeu.
Tudo no seu mundo envelheceu.
Existir é ser o suspiro que ainda não esvaneceu.
Meu,
é impossível mensurar.
Então corro pelo o que me tem a restar
Viver, sem temer sair do raso
Porque o relógio é o meu pior carrasco.
Valorizo as coisas boas e simples que surgem aqui e ali.
O que não desejo pra mim, não desejo pra ti.
Parceiro, evite o relento lento
feito para aqueles com pouco discernimento.
Não há existência sem ferimentos,
nem misericórdia sem esquecimento.
Eu gritei aos ventos,
mas agora sussurro em pensamento.
Pois a última coisa que tento
é o castigo do tempo.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

SoundCheck: A Trilha Sonora de The Elder Scrolls V: Skyrim

Não é de hoje que se observa a crescente qualidade nas trilhas sonoras de jogos eletrônicos. Vasculhando os anos dourados, encontramos temas eternizados na cultura pop: Top Gun, Super Mario World, Golden Axe, Zelda, Final Fantasy e tantos outros. No entanto, pensando em evolução técnica, esse aspecto unidimensional das trilhas tornou-se limitado. Atualmente, a recorrente densidade e complexidade dramática presente nos roteiros dos títulos mais aclamados, vem demandando não apenas sofisticadas tecnologias de captação de movimentos ou sistemas mais imersivos de jogabilidade, mas também uma Soundtrack à altura. Eternizar a identidade sonora, hoje, é incluir peças que desenham personagens, dramas ou batalhas, tudo para entregar uma experiência cada vez mais genuína.

E neste post, falarei da obra musical presente no jogo The Elder Scrolls V: Skyrim (2011), título desenvolvido pela Bathesda Game Studios.



A tarefa de compor a trilha sonora deste quinto episódio foi destinada ao experiente conhecedor de mundos fantásticos: Jeremy Soule, o mesmo compositor dos dois antecessores de Skyrim - Morrowind e Oblivion. À qualquer perspectiva preguiçosa, a criatividade de Soule poderia ser taxada como calejada para com o mundo de Tamriel, levando-o a entregar mais do mesmo - Não indo além dos pontos-seguros. De fato, e é meu dever salientar isso, há semelhanças rítmicas e estruturais claras com os trabalhos anteriores. Porém, tão claras quanto as semelhanças é a qualidade e, porque não, a originalidade de Skyrim

E é sobre elas que vocês vão ler.

The Elder Scrolls V: Skyrim é um RPG medieval de proporções épicas, situado num mundo fantástico repleto de dragões, dungeons, magias e neve. Essas características geralmente tentam o senso comum a investir numa trilha focada em percussões fortes e dilaceradoras, progressões arrepiantes e um ritmo mais acelerado - Confira o álbum Archangel do estúdio Two Steps From Hell para ter uma noção. Jeremy Soule, no entanto, é hábil em dar solenidade e delicadeza às suas obras. Ele trabalha com maestria no arranjo de notas suaves, principalmente com instrumentos de cordas e sopro, construindo uma melancolia deliciosa aos ouvidos e nostalgia. Obviamente, existem faixas épicas dignas de batalhas Tolkienianas durante a trilha, que funcionam, ao meu ponto de vista, como uma a catarse do autor e do próprio mundo retratado. Mundo este vasto e aberto para o jogador explorar, cada vila, montanha e caverna. A contribuição de Jeremy, então, à tal experiência foi oferecer profundidade, camadas, para Skyrim - Através de sua música com um estilo capaz de fagulhar sentimentos. Certamente, é o que este autor faz de melhor.

J.S., O Autor.

Ao todo, são 53 músicas divididas em quatro CDs/Álbuns e sendo o 4º deles detentor de uma única faixa especial chamada "Skyrim Atmospheres" - Onde é possível ter uma experiência sonora totalmente fiel ao mundo de Skyrim, e isto inclui soundeffects e até uma progressão (como se você estivesse caminhando pelo cenário)  quase imperceptível, tudo durante 42 minutos de duração. Quanto às demais faixas, há um festival de obras memoráveis que são provas do culto à esta trilha. É claro que eu tenho o poder em meus dedos de tornar este Post entediante caso me aprofunde em TODAS as músicas. Não farei tal tolice. Me limitarei à citações para aquelas faixas que se destacaram na minha opinião, comentando brevemente as características delas.

"Believe, believe. The Dragonborn comes."

1. Dragonborn - A música tema do jogo. Jeremy Soule recicla a melodia base de Nerevar Rising (Morrowind) e Reign of the Septims (Oblivion) e adiciona algumas características novas para montar uma faixa grandiosa. Enquanto suas irmãs não possuíam um coro, Dragonborn não só traz vozes ressoantes, e predominantemente masculinas, como uma letra em língua draconiana, que fala sobre aqueles que podem absorver as almas de Dragões; Enquanto em Morrowind, o tom era de aventura e Oblivion, de dramaticidade, Skyrim traja-se de um teor épico potencializado pela saliência às percussões e progressões soberbas. No final do CD Nº 3 há uma variação desta faixa chamada Sovngarde que possui um arranjo mais rústico constituído de percussão e coral, basicamente. Eu, Matheus, prefiro a variação, mas é inegável a qualidade orquestral de Dragonborn. Uma forma digna de convite para embarcar numa aventura, com certeza.

2. Awake - Uma das faixas introdutórias ao mundo de Skyrim, Awake é competente em nos fascinar pelo seu tom atmosférico e gentil. Mas vale lembrar que esta música é uma ponte entre Dragonborn e From Past To Present - No começo é possível ouvir alguns esporádicos sons de tambores ao fundo, os mesmos presentes no tema, casados com a melodia contemplativa formada por violinos, carrilhão e a sempre recorrente trompa.

3. Dragonsreach - No alto de Whiterun, atingindo as nuvens, encontra-se este local que um dia aprisionou um dragão. Nesta faixa, Jeremy optou pelo uso de um coral de vozes profundas seguindo as notas instrumentais. Elas são complementadas por suaves acordes de violino que progridem em 2º plano, formando uma homogeneidade tão interessante quanto os mistérios que Dragonsreach detém.

4. Under an Acient Sun - Este é um bom exemplo da serenidade recorrente nesta trilha sonora. Aqui, uma progressão suave se estende por toda a música, que periodicamente se intensifica com graves ao fundo, gerando uma ansiedade inconsciente por algum estouro rítmico. Porém, o tom pacífico se mantém firme, fazendo-a cumprir sua missão nos momentos em que ocorre - O vislumbre elevado de um horizonte montanhoso, por exemplo.

5. Steel on Stell - O Dovahkiin está a explorar um calabouço que forja de seu silêncio e penumbra perigos incertos. De repente, cordas de violinos são arranhadas euforicamente e tambores, súditos à marteladas, ecoam através do ambiente. Basta 1 minuto e 45 segundos para Soule produzir uma peça épica que sustenta, com facilidade, a ação presente em certas batalhas durante o jogo.

6. Far Horizons - As notas de trompa nesta faixa são competentes em desenhar a vasta profundidade nos horizontes de Skyrim. Não saberia deduzir com exatidão se há uma camada de coral feminino conduzindo as progressões ou apenas instrumentos imitando vozes humanas para enfatizar a beleza rítmica do arranjo geral. A música não oferece variações expressivas, mas possui uma "ponte" limpa e belíssima de flautas (corrijam-me se eu estiver errado). E mais uma vez ressalto o uso de trompa aqui, é o que faz esta música ser um dos grandes highlights de toda a trilha.

7. One They Fear - É chegada a hora, guerreiro, a hora de matar o seu primeiro dragão. A base desta música reside na canção tema, Dragonborn, mas as camadas adicionadas, como notas aceleradas, instrumentos de sopro e percussão pulsantes, conferem uma roupagem inédita, alimentando a ousadia de destemer o fogo draconiano. Para o final, o autor recolhe o tom épico e retoma a serenidade, com a intenção de aumentar a carga dramática  a cerca do desafio superado.

8. A Chance Meeting - Com uso de flautas e percussão em notas simples num arranjo bastante artesanal, temos aqui uma das músicas com maior característica medieval de toda a trilha - também vale citar as faixas Around the Fire, The Bannered Mare e Out of the Cold, sendo estas últimas um brilhante trabalho de cordas do autor. Tocada regularmente em Tavernas, é o tipo de som que gostaríamos de ouvir enquanto nos aquecemos ao redor de uma fogueira. Nota-se, aliás, apesar do caráter medieval, uma semelhança sonora com as músicas de povos nativos americanos. Jeremy Soule nasceu numa cidade do estado de Iowa chamada Keokuk, nome de um antigo chefe da tribo Sauk que guerreou ao lado dos americanos. Enfim, escolho acreditar que esta música é o resultado, e homenagem, do autor ao ambiente de onde ele veio.

9. Blood and Steel - A percussão pulsante casada com o coral agudo transpassam uma tensão barulhenta e interessante. Na segunda parte, quando o ritmo dos tambores acelera e a solenidade da trompa substitui os vocais é possível perder o fôlego e nos trinta segundos finais, a serenidade de Jeremy reaparece para você recuperá-lo.   

10. The Gathering Storm - Há um aspecto sedutor na tristeza de Skyrim. O mundo parece tão vazio, frio, inóspito e ao mesmo tempo tão vivo, rico e dono de uma beleza irresistível. As músicas em Skyrim são atmosféricas, elas parecem falar mais sobre os lugares do que sobre personagens ou dramas. Talvez a ausência de temas direcionados para personagens possa conferir uma faceta enjoada e desinteressante neles, temo admitir. Mas The Gathering Storm tem tanta versatilidade dramática que funciona à qualquer âmbito narrativo, abraçando coisas que vão além até mesmo de seu próprio jogo.

11. The Streets of Whiterun - Nesta, Jeremy constrói um delicado trabalho de piano ornado com tristes acordes de instrumentos de cordas. Feita para apreciar as belezas de Skyrim, o arranjo foca em camadas sutis e deixa de lado as variações na melodia, pois as notas se repetem por quase toda a extensão da faixa. Isso ajuda na hipnose que nos é provocada quando saboreamos este encanto em jogo. Não é nada fácil querer descrever esta música, é talvez a obra mais honrosa de toda a trilha. Ouça-a e sinta-a, apenas. 

12. Journey's End - O lamento emitido pelas notas remetem Nostalgia, anunciam o fim da jornada e a contemplação da angústia por não conseguir voltar para o passado. É engraçado observar como Jeremy é capaz de tratar com total beleza os sentimentos mais tristes e conseguir transformar isso em peças quase palpáveis ao ouvinte. Experimentar esta química durante o jogo é perceber que Skyrim tem níveis de sonoridade, além dos soundeffects, que são vívidos, que complementam a magia deste mundo. E se eu não vigiar, filosofarei ainda mais sobre Journey's End, embora o meu foco seja destacar os méritos do áudio na imersão visual como experiência de entretenimento. Repito, ouça-a e sinta-a.

Não é exagero dizer que a trilha sonora de Skyrim é um componente importante para a singularidade que é jogar este game. Importante, porém não o principal, pois de nada serve uma trilha memorável se o jogo não se esforça em fazer o mesmo. Mas sem me perder em minhas frases, o que estou tentando dizer com o post é que este trabalho é o marco da competência de um autor experiente e merecedor de mais atenção. A relevância que as músicas de Soule alcançaram na cultura pop, em especial na cultura de mundos fantásticos, é digna de aplausos. Como ilustradores que enxergam tais mundos e dão forma gráfica a eles (Alan Lee e Ted Nasmith, por exemplo), Jeremy dá sonoridade e, porque não (de novo), o que eles mais necessitam para serem únicos: Magia.

Segundo o Wikipedia, The Elder Scrolls V: Skyrim's Soundtrack ganhou 4 prêmios e 4 nomeações em 2012. 

Menções honrosas:
  1. Standing Stones - Acredito que Jeremy admira o trabalho do compositor Jon Brion ao ponto de referenciá-lo, nos últimos 50 segundos, com os mesmos acordes que introduzem a música Stanley-Frank-Linda's Breakdown do filme Magnolia, compare as duas obras e veja como é gritante a semelhança;
  2. The Jerall Mountains - Obra com notas praticamente idênticas a Silt Sunrise de Morrowind;
  3. Masser - Mais um primoroso trabalho de vocal como base rítmica.
  4. Dawn;
  5. Death or Sovngarde;
  6. Shattered Shields;
  7. Aurora;
Outros Trabalhos Relevantes de Jeremy Soule:
  1. Icewind Dale (2000);
  2. The Elder Scrolls III: Morrowind (2002);
  3. The Elder Scrolls IV: Oblivion (2006);
  4. Guild Wars 2 (2012).
N.T.: Para os interessados em Análises de trilhas sonoras de jogos eletrônicos, recomendo o site GSoundtracks (em inglês) - Uma de minhas principais fontes para montar este texto.

Um forte abraço
E ouça mais trilhas sonoras.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Sobre Negros, Gatilhos, Balas e Tragédia

O que faz este negro correndo do tiroteio?
Atira depois pergunta, antes que fique feio.
Suspeito!
Quem comanda o gatilho é o receio
de uma sociedade que põe inocências em sorteio.

domingo, 29 de março de 2015

Tradutor Espontâneo: Um dos Maiores Riscos Que Tomamos Na Vida

"Não julgue essas pessoas. Elas têm seus problemas. Não se pode ter um relacionamento se você não deseja decepção e dor. É impossível. Se você diz 'sim, eu aceito' ao outro, você também estará dizendo: 'Sim, eu aceito me machucar por você'. Deve-se estar disposto em perceber, ao entrar neste mundo, que a grandeza da vida está em tudo aquilo que é bom e agradável, mas também em todo desapontamento, amargo e sofrimento. E é isso que a torna maravilhosa.

As pessoas precisam umas das outras. Interações, relações, amizades ou casos amorosos. Construir uma relação, seja ela qual for, é uma das coisas mais difíceis que fazemos em nossas vidas. É um dos maiores riscos que tomamos na vida. Então, vamos lidar com isso e ver o que acontece."


Texto Original: One of the Biggest Risks We’ll Take in Our Lives

“Don’t judge these people. They have their problems. You can’t have relationships if you’re not willing to be disappointed and hurt by that person. It’s impossible. If you say yes to someone, I will, you are also saying, I will be hurt by you. You have to be able to enter into the world and realize the richness of life is all the good and joy and thrill of it, but also all the disappointment, hurt, and heartache of it. And that all of that is what’s great.”

“People need each other. That actual interaction or relationship or friendship or romantic love affair. All the different ways relationships take form is one of the hardest things we do in our lives. It’s one of the biggest risks we’ll take in our lives. And let’s deal with it. And see what happens.”

--

Este texto faz parte da minha mais nova atividade por estas bandas. Irei aqui exercitar a minha percepção sobre o idioma Yankee, mas de uma forma desprendida dos "pés das letras" (pobre delas, coitadas). Para começar, traduzi este trecho bastante magistral saído da boca do ator Phillip Seymour Hoffman (que infelizmente veio a falecer) no filme Almost Famous (2000). Este trecho é, na verdade, um recorte presente num vídeo tributo ao ator no canal John Dey, no Youtube. O editor mandou bem na montagem deste quote e achei bacana começar a série de traduções por ele.

E eu espero me divertir nisso.

Fiquem na paz.

segunda-feira, 23 de março de 2015

O Sorriso

Esculpido em simplicidade
E símbolo do que se diz felicidade.
Uma força implacável sobre a maldade,
Teu por direito e exercido em liberdade.
Oprimir-te de minha face, isto não arrisco
Por que de quê é feita a vida sem o sorriso?


---

- Palavras ditas pelas Sagradas Damas de Armélia, terra dos humanos em Garvânia.

segunda-feira, 9 de março de 2015

Eu Roteirizando Comerciais de Bebidas

"Você fez uma promessa.
Confiou nela criar.
Evoluir.
Transformar.
E muitos consideraram impossível alcançá-la.
Bem, a verdade é que ela depende apenas de você para se cumprir.
Mas saiba que prometer é fácil e indolor;
Cumprir é ter todos os caminhos inversos,
ser quem você verdadeiramente é.
Acordar e saber que uma promessa depende de você
É ter o amanhã com um sentido.
Ecoe seu futuro através do presente, não abandone sua promessa
Cumpra seu sonho.
Cumpra sua vida.

Continue Andando.
João Andarilho.
Se beber, não dirija."

Vou te falar que jamais vi sentido em prosas motivacionais encaixadas em propagandas de bebidas alcoólicas. Afinal, onde eles querem chegar com isso? Consolidar que o álcool é um destruidor de amarras e, com estas destruídas, podemos realizar grandes feitos? Se o "grande feito" é perder a vergonha de falar com aquela menina da festa - Ok, eles estão certos. A verdade é que para se alcançar sonhos ou se reafirmar socialmente, você precisa dos efeitos de um esforço implacável, e não dos alcoólicos, pois eles são menos duradouros que o primeiro.

Mas se me perguntarem de qual "estilo" de propaganda prefiro, as machistas e recheadas de mulheres esbeltas ou dos discursos motivacionais, direi que não sei. Pouquíssimas mulheres bonitas que eu conheci na vida bebiam cerveja. E eu jamais poderei dizer que o álcool me ajudou a realizar sonhos.

Eu não bebo, oras.

Mas continuo andando, como o João sempre me pediu.

sábado, 28 de fevereiro de 2015

A Gênesis de Garvânia

Eis que antes do início de todas as coisas, a escuridão reinava e o caos, a ela, servia. Quando entre os dois houve atrito, criou-se a luz, com a luz veio a ordem e a partir destes, nasceu Garvânia, a Terra.

Seguidamente, Ela originou quatro filhos prometidos a protegê-la: Helena, a leal; Tímus, o sábio; Sara, a árida; e Gorfã, o medonho. Eles dividiram entre si os pólos, formando o Norte (Helena), Sul (Gorfã), Leste (Sara) e Oeste (Tímus). Porém, à retaguarda de qualquer proteção minuciosa, ao reencontrar a escuridão no centro de seu interior, Garvânia gerou Guiliã, um filho que carregava em sua existência presságios pavorosos.

Receosos, os primeiros herdeiros amaldiçoaram a vida deste que fora nomeado indigno. Igualmente amaldiçoadas, foram as terras herdadas por Guiliã, ditas centrais, infestadas com vulcões e poeira escura. O indigno, por sua vez, julgando de injusta tal decisão, forja do magma uma criatura alva e de feição fúnebre, intitulada de humano.

Tão pequenos e tão mortais, mas destruidores. Nascidos da lava e raiva grotesca, retrato de seu ambiente e criador, a prole teria como instinto gerar atribulações e destruição por todo o mundo.

Os demais Irmãos, atormentados com o ocorrido, advertiram Guiliã. Mas o Herdeiro do centro da terra continuou a postergar quaisquer regras. Os humanos, já numerosos e organizados, espalharam-se por toda Garvânia e ultrapassaram as fronteiras. Sendo assim, os herdeiros dos pólos forjaram seus próprios filhos destinados a defender seus respectivos lares.

A retomada dos territórios, antes invadidos pelos homens, tingiu a história do mundo de cor escarlate - o sangue humano. Batalhas cruéis drenaram o mar de Guilianeses de volta ao inaproveitável centro da Terra - a punição seria subsistir, mergulhar entre desolações; e quanto a Guiliã, uma prisão na mais distante estrela do cosmo o aguardava.

Estes novos filhos, legítimos, representavam a ordem. Primeiro vieram os Gorfaneses, tão monstros e abissais quanto os homens, mestres dos ofícios e trabalhos; em seguida, Nutrilianos, filhos de Helena, guardiões da natureza e harmonia; Tímuneses, protetores do conhecimento e especialistas em elementos; e por fim, os místicos Sarenses, seres mestres nas infinitas dimensões da mente e consciências.

A ignorância de um homem, porém, jamais saberia descrever o que os diferenciava dos genuínos. Então, em detrimento da compreensão, fora criado o idioma humano, anteriormente limitado a sinais. Entretanto, o que compreenderam foi a existência de um símbolo. Um dom que os filhos de Guiliã jamais testemunharam ou possuíram. Fora nomeado de 'o brilho da alma', provável fonte de força e júbilo entre os legítimos. Era lindo aos seus olhos e hipnotizante à alma.

Era o sorriso.

Eles estudaram-no, veneraram-no e tentaram capturá-lo. Obcecados por aquele símbolo, enaltecido como a ferramenta que os levariam à legitimidade, as broncas criaturas que pudessem ser denominadas de sábias foram enviadas em expedições. Porém, a fonte para o sagrado dom manteve-se inalcançável e o que restavam-lhes era um fim pior do que a morte.

Os quatro herdeiros, ainda presentes na terra, conservaram o equilíbrio e isolaram os humanos de tal forma que nem mesmo o amanhecer germinava para eles. E na mais profunda noite, eles permaneceram imunes a extinção.

Criador aprisionado e prole condenada.
A segunda era dos humanos em Garvânia começara.

Os vulcões adormeciam diante da distância de Guiliã, tornando os humanos cada vez mais estranhos à luz. O silêncio do que antes denominava-se invencível extinguiu velhos costumes e apagaram crenças. Na ausência do pai, o abandono apadrinhou os homens oferecendo apenas tristeza em seu futuro escuro.

Gorfã, o pai dos monstros, por outro lado, preencheu seu coração de uma obsessão indomável pelas terras agora sem herdeiro. Seu interesse pelos vulcões moveu esforços e perseguições violentas para conquistar a casa de seu irmão mais odiado. No entanto, uma coisa resistia ao furor sulista, uma tribo, povoada por humanos revestidos do magma de Varlanóiã, o último vulcão ativo da terra. Nem mesmo a horda mais macabra obteve o êxito desejado e o ódio de Gorfã envergou-se para um destino sanguinário.

Varlanóiã erguia sua aparência negra junto às cordilheiras de Coimbra, banhando de larva sua redondeza e rugindo grunhidos dilaceradores de ar. Na falha situada aos pés do vulcão, sobre a planície elevada, viviam as únicas criaturas capazes de aguentar tamanha desolação: Humanos. Estes faltavam-lhes sombras, eram selvagens e não se interessavam por sagrados símbolos descobertos no Norte. Mantiveram-se junto à sua natureza, a violência de um Guilianes, e devolviam com igual gravidade, o ódio de Gorfã.

Ataques investidos, resistência humana e a falha dos monstros: esta ordem de acontecimentos manteve-se por muito tempo, adicionando tons escarlates ao solo negro de Varlanóiã. Gorfã, fruto da luz e escuridão, fora o legítimo que escolheu as sombras, escolheu dar vida às aberrações, pois desde que testemunhou a natureza destruidora e selvagem dos humanos, desejou tal instinto em seus filhos. O sul de Garvânia, representava o limite da terra, o inverno e os dias curtos; Com seu aspecto espinhoso, planícies são escassas e montanhas pungentes  acrescem por quase todo território até o oceano gélido com seu horizonte nebuloso e infinito.

Enquanto as escuridões confrontavam-se, Tímus, Sara e Helena escolheram não intervir no conflito por temerem o contágio com a selvageria vigente, muito menos repreenderam os desejos de Gorfã ou procuraram seus reais motivos. Dos demais filhos legítimos de Garvânia veio apenas a liberdade de nomear a batalha:

A Guerra dos Horrendos.

O primeiro ataque à Varlanóiã havia se tornado um passado distante, o qual apenas a derrota permanecia inalterável. Guinchos de espadas, com ódios descendo junto aos golpes, e feridas cada vez maiores ecoavam pela fúnebre atmosfera do sul. Os humanos continuavam a resistir, com o brandir do último vulcão, às hordas abissais que penetravam nas sombras trazendo a ambição de um legítimo. Porém, o brandido tornara-se abatido, sonolento, como se estivesse caindo em adormecimento.

O temor estremeceu os humanos.

Farto com a derrota e de coração petrificado, Gorfã buscou do mais profundo manancial das montanhas negras a matriz para Suas novas hordas. Destes ele arrancou o brilho da alma, armou-os do mais ínfimo furor e avermelhou seus olhos. Das cordilheiras de Coimbra era capaz de testemunhar o bater dos tambores, o reluzir de chamas verdes e o brado dos monstros, reprimindo Varlanóiã ao sussurro. Revestidos de rancor, as legiões abissais investiram o único ataque necessário para sucumbir os humanos do sul, não levando misericórdia alguma consigo.

Os indignos foram derrotados.

No entanto, ao ponto cego de olhos sedentos de sangue, um vestígio salientou à ira: uma jovem humana de pés pálidos e vestes encardidas. Ela fugiu horizonte glacial adentro, mesmo com o peito atravessado por uma arma de Dolordrã, almejando a clemência dos deuses. Mas a única resposta que recebia era o eco de seu sofrimento. A dor lancinante percorria todo seu corpo potencializada pelo frio, perfurando como agulhas a carne, os nervos e ossos. Logo, o ferimento manifestou à manceba excrementos esverdeados do mais profundo sangue de Garvânia e um odor nauseante de enxofre. Para a desistência ela tentou entregar sua peleja, urrando súplicas pela morte, mas uma presença parecia puxá-la, impedindo-a de parar.

Quando a alma se dispôs abandonar aquela vida, trancando-se no abismo mais obscuro da consciência, surgiu do céu, através das nuvens negras, uma penumbra. Da fresta vazou uma luz amarelada, atingindo a humana em resplandecência jamais testemunhada por um filho de Guiliã. Contudo, ao invés de um calor reconfortante, veio a dor e a acidez, seguido do crepitar escaldante onde a arma encontrava-se. Não havia mais presença guiadora, nem o caminhar contra a vontade, apenas o cair oco sobre a neve e o contorcer de agonia.

Mesmo refém do sofrimento, ela questionou o por quê daquilo, o por quê da penúria, de ser a única que resistiu ao ódio de Gorfã.

Então veio o silêncio;
Depois uma voz;

- DEIXAI DE SER ESTRANHA À LUZ, CRIATURA DE GUILIÃ, O SANGUE DESTA TERRA AGORA CORRE EM SUAS VEIAS. QUE TORNE-SE LIMPA TUA VESTE E SEMBLANTE, E VOSSOS PÉS AQUEÇAM-SE, PORQUE GUARDO EM TI A CHANCE DE TUA RAÇA TRIUNFAR. DESCANCE POIS AGORA EM MEU CORPO, ARMORA.

E o cair inconsciente se fez, alvorecendo uma nova era para os humanos.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

A Canção dos Humanos em Garvânia

Horripilante criatura!
É aquela que não sorrir.
Ausente brilho da alma,
aos humanos era apenas capaz subsistir.

Frutos de indignação,
criados ao intuito de destruição.
Isolados e frios,
para eles, restava somente a escuridão.

Quem poderia imaginar,
que dentro deles havia poder e ganância?
E que seres de pequenos e quase extintos,
alcançariam grandiosa relevância?

De fato, sua incapacidade de sorrir
é contrária a de sobreviver.
Porém, vosso sofrimento
o fim é impossível prever.

Apesar da escuridão, apesar de uma maldição,
No fim, houve uma solução, uma esperança,
um sorriso...
E todos os humanos poderiam se beneficiar por isso.

--

N.T.: Há milhões de estações, existiu Garvânia, uma terra inundada de mitos e criaturas que convidam para um baile apoteótico a imaginação (pelo menos a minha). Este texto é o primeiro, de muitos, que povoarão este blog com crônicas e canções que invocam a magia deste mundo.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Correntes de Cifrões

Miomir anda pelas ruas da cidade. Ele tenta gostar disso por precisar fazer isso, pois o isso é o seu trabalho. Ele sempre fora determinado em considerar-se um "guerreiro" livre de amarras, espontâneo e desinteressado por quais rótulos eram conferidos sua pacata pessoa. Mas ultimamente, em vista do quanto isso é desconfortável, ele vem sentindo as pernas pesarem. Olhando ao redor de suas andanças, Miomir vislumbra uma realidade mais perturbadora do que seus olhos, pertinentes otimistas, faziam-lhe enxergar:

Correntes.  
        
Elas serpenteiam pela calçada e asfalto, amontoam-se em casas e pessoas, e atingem distâncias imensuráveis. Preenchem o céu, ar e chegam a estremecer até mesmo o interior do mundo em que este jovem vive. Forçar as pálpebras, o pobre Miomir arriscou, no entanto, refutar a sua mais nova visão do mundo, mostra-se ineficaz. Anos de sossego e independência desvanecem conforme sua vista torna-se cinza. A admiração permite que a ponta de uma corrente passe rente a ele, uma corrente ausente de um cativo. O tilintar desta gela a espinha de Miomir, gerando um impulso, inútil, de correr. Este, porém, era o resultado da negligência. O fim de meios os quais Miomir não procurou esforços em extinguir de sua vida. Ele permitiu esta prisão, coexistiu com a aproximação das correntes, e agora elas estão ali para levá-lo.

Como um criminoso encontrando a detenção, ele reage. Mas agora agarrado pelos pés que antes guiavam uma vida independente, Miomir apenas pode permitir a si olhar ao redor mais uma vez. Neste redor, percebe que as pessoas aceitam a prisão. Trabalham, estudam, amam, enfim, vivem com elas. Ele até mesmo ver pessoas matando por elas, destruindo futuros com elas, roubando ou guerreando por elas. Então Miomir entende que é o único ali resistindo à prisão, ecoando e gastando seu fôlego para o vazio, para um mundo que não o enxerga mais. As amarras, porém, apresentam-se como anjos libertadores e recompensadores, munidos de felicidade e prazer pleno. E uma vez selada a infeliz epifania, Miomir, numa compreensão que jamais ocorreria no que agora ele pode nomear de "antigo eu", admite que não seria tão ruim ser um prisioneiro... Um escravo dos cifrões. 

domingo, 25 de janeiro de 2015

A Rima do Game Over

É, meu irmão, vou te falar
A dor é muito grande
E eu não sei por onde começar
Ultimamente, a angústia está presente
Os segundos se esgotaram
Disso já estou ciente
Impedido de seguir em frente
O sistema me trata como indigente
Pressiono start
Tarde demais, é game over
Infelizmente.

Como eu pude ser tão demente?
Tudo aconteceu de repente
O chefão estava desorientado
E do nada, me golpeou repentinamente
Antes que eu pudesse reagir
Já ao chão, eu jazia inconsciente.

A minha coragem tá meio enfraquecida
Mesmo depois de toda a experiência adquirida
Mas essa queda não irá me impedir
Não me canso desse jogo,
Enquanto eu não o concluir
Sou velha-guarda, sou anos 90
Se não sabe perder, moleque,
Faz o seguinte, nem tenta.
Aqui só conquista quem aguenta
Fica no teu life infinito
Sua criança pirracenta.

Relaxa, não vou bancar o idiota
Só é chato ver que o mundo
Não lida mais com a derrota
Eu perdi, fracassei, disso eu sei
Um perrengue eu passei
Da minha sorte eu abusei
Mas pro fim não há leis
E se eu cair de novo, poucos segundos terei
No total, te garanto, são menos de seis.

Saiba que o recomeço também é um start
Jogar video-game é uma arte
Perder é algo que sempre fará parte
Seja o que for,
A desistência mantém-se em descarte.

sábado, 24 de janeiro de 2015

Cena: Temos Vagas

INT. QUARTO – TARDE
              
Típico quarto de um jovem de 18 anos.

BAGUNÇADO.

No meio da zona generalizada, Alex joga MMORPG com seu amigo.

RÔMULO (OS)
Se liga, preciso destes itens
pra essa quest.

ALEX
Só quer mandar nessa bagaça, hein!

RÔMULO (OS)
Bora, cara! O tempo tá correndo.

ALEX
O cara arruma uma arma rara
E agora age como se tivesse dois pintos.

RÔMULO
(Rindo)
Ah, se ligou no meu espadão, né?

O telefone no quarto começa a tocar.

ALEX
(Debochando)
Pra quem tu deu a bunda pra arrumar isso aí?

Os toques persistem.

RÔMULO
Eu tenho meus contatos.

ALEX
Ah, Safada!

Ambos gargalham e sentem-se privilegiados por possuírem tamanha diversão numa tarde de terça-feira.

O telefone ainda está a tocar.

RÔMULO
E aí, pegou a parada?

Neste instante, Alex percebe que há algo fazendo barulho em seu quarto.

ALEX
O telefone tá tocando.

RÔMULO
Deixa tocar, ora.

Alex olha para o telefone e equaliza se vale a pena atender a ligação.

ALEX
Guenta aí.

Alex põe o headset sobre a mesa e se levanta.

RÔMULO (OS)
Ah! Sério, véi?!
Deixa essa porra tocar, a gente vai perder a-

ALEX
Alô

LÚCIA
Oi, meu nome é Lúcia.
Sou da redeempregos.com e gostaria de falar
Com o Alex Teixeira Filho, por favor.

ALEX
É ele.

LÚCIA
Oi, Alex, tudo bem?
Olha, eu tenho uma notícia muito boa para você.

ALEX
Tô ouvindo.

LÚCIA
Observei em nossos bancos de vagas o seu currículo
e agora estou ligando, pois tenho uma oportunidade para você.

ALEX
Meu currículo?

LÚCIA
É. Estamos encaminhando seus dados
para que você possa marcar uma entrevista, ok?

ALEX
Pera, pera aí.
Deve haver algum engano, senhora.

LÚCIA
Como?

ALEX
Eu não me inscrevi a nenhuma vaga
de emprego.

RÔMULO (OS)
Caralho, Alex.
Cadê você?

Na calmaria da tarde, a raiva crescente de Rômulo, vinda das caixas de som, rasgam a atmosfera ambiente.

Alex olha para a tela do seu jogo, apreensivo.

ALEX
Seja lá como você conseguiu meus dados,
eu preciso desligar.

LÚCIA
Calma, Alex.
Tem certeza?!
É um oportunidade úncia!

ALEX
Mas eu não to afim

LÚCIA
Por que?
Há alguma carência de tempo disponível?

ALEX
Não, não. Nem é isso.

LÚCIA
(entusiasmo)
Então, Alex?
Por que deixar passar uma-

Alex se esforça para achar a primeira resposta que venha à sua cabeça, para encerrar o telefonema.

ALEX
É que eu já tenho um emprego!

MÁRCIA (OS)
Você com emprego?

A mãe do Alex chega em casa.

Ela surge junto a porta.

MÁRCIA
Desde quando?

Alex rende-se ao nervosismo.

ALEX
Eu preciso desligar

MÁRCIA
Com quem você tá falando?

ALEX
Ninguém!

RÔMULO (OS)
Wolver Knight, seu desgraçado!
Vamos perder a quest!

Mãe e filho entreolham-se.

Logo, para o computador.

Márcia calcula a real angústia de Alex.

ALEX
Sério mesmo,
terei de recusar esta oportunidade.

MÁRCIA
Oportunidade?!
Não acredito que é da redeempregos.com!

LÚCIA
Alex, olha só.
Você está perdendo uma
oportunidade de ouro, meu jovem.

MÁRCIA
E aí?
Quando é a entrevista?

ALEX
(para mãe)
Eu vou recusar.

LÚCIA
Mesmo?!

MÁRCIA
Não!

LÚCIA
(Aliviada)
Ah, bem.

RÔMULO (OS)
Caralho, Alex.
Se eu perder esta quest, eu juro,
mas juro que te mato!

Alex atravesa o quarto para acalmar seu amigo.

ALEX
Dá pra você sair daí?
Vai acabar morrendo!

RÔMULO
Não! Trate de sentar essa bunda magra
nessa cadeira e me ajude a matar esse Boss!

Ao retornar com a recusa à Lúcia, sua mãe replica:

MÁRCIA
Quando você vai deixar
de se comportar como criança?

ALEX
Quando eu encerrar essa chamada.

MÁRCIA
Não se atreva a desligar.

ALEX
Eu não quero trabalhar em qualquer lugar, mãe!

MÁRCIA
Sua situação atual não te permite
muito escolher, rapaz.

LÚCIA
Alex?

ALEX
Dá pra esperar um instantinho?

Márcia desaprova toda a infantilidade exercida por seu filho.

ALEX
Eu já disse que quero ser Game Designer.

MÁRCIA
Lá vem isso de novo.

ALEX
É o meu sonho!

MÁRCIA
E jogando video game o dia inteiro
vai te levar lá?

Alex raciocina, por alguns instantes, o que irá responder.

ALEX
Provavelmente.

RÔMULO (OS)
Foda-se, vou atacar!

ALEX
(Para o Rômulo)
Não!

MARCIA empurra o telefone contra o peito do Alex.

MÁRCIA
Diga sim!

Alex afasta o telefone de volta.

ALEX
Eu já disse minha resposta.

A mãe toma o telefone.

MÁRCIA
Olha, o meu filho adoraria comparecer a entrevista

ALEX
‘Quê? Não!

LÚCIA
Ah, que maravilha!

Alex tenta tomar o telefone.

MÁRCIA
Sim, é um garoto muito trabalhador.

LÚCIA
Exatamente o perfil que procuramos.

ALEX
Eu não vou!

A mãe aterrissa o telefone sobre o peito.

MÁRCIA
Ah, tu vai sim!
Senão, eu paro de pagar a mensalidade
desta maldita internet.

Alex desaba os ombros.

RÔMULO (OS)
Ih, rapaz.
Lascou!

Ambos olham para o monitor do PC:

GAME OVER


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N.T.: OS - Off Screen (fala dita fora de quadro)